Quinhentos e Cinquenta Dias Antes do Desespero - Jornal Fato
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Quinhentos e Cinquenta Dias Antes do Desespero


Passei a noite esperando você chegar, encolhida entre a parede e o sofá. Tremendo de frio, chorando e sentindo uma solidão infernal. Às vezes acho que você tem razão quando me chama de louca: eu poderia ter pegado um cobertor e ido para a cama. Mas é que naquele cantinho eu me sentia protegida. De quê? Desse nada gigante que minha vida se torna quando você não está por perto.

 

Só você me entende. Você me corrige quando estou errada. Você me protege de tudo que é nocivo e perigoso. Você me mostrou o quanto é importante que eu cuide da casa e de você: das suas roupas, dos seus interesses e da sua cerveja gelada. Às vezes eu sinto falta de rir alto. Mas, além de você não gostar, não tenho muita vontade. Só na cama. Tenho até medo de dizer isso, porque aquele dia que eu disse que era na cama onde eu era mais feliz você me chamou de vadia e me deu um soco. Lembra? Eu lembro. Ainda dói, mas você estava certo. Devo ser uma mulher direita. Devo ser digna de você, um homem que me acolhe e me defende. Acredita que dizem que eu tenho que me defender é de você? O mundo não está preparado para o nosso amor. Não sabem a história que há por trás de cada olho roxo ou braço quebrado.

 

Não vou negar que penso em ir embora, mesmo a casa sendo minha. Mas o menor ensaio me paralisa as células. Sem você não existem possibilidades, no sentido amplo da palavra. Para onde quer que eu olhe o caminho sem você é uma espécie de guilhotina.

 

Cada vez que a porta abre, respiro aliviada. Menos aliviada quando você entra chutando, porque sei que quando está assim é sinal que cometi um erro. Mas quando você entra devagar e me beija todos os medos vão embora. Quando você passa a língua no meu pescoço e me manda calar e tirar a roupa eu quase tenho culpa de ser tão feliz.

 

Dizem que estou doente. Dizem que você me faz mal. Dizem que ando morrendo. Mas só morro se você me deixar. Apaga a luz e me abraça devagar porque meu corpo ainda não se recuperou da última surra. Aquela que eu não lembro o motivo, mas que provavelmente eu mereci.


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