Princesa?  - Jornal Fato
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Princesa? 


Não me queira princesa no alto de uma torre aprendendo a tricotar. Não eu que não pretendo curar meu nego que chegou de porre lá da boemia. Pretendo é ser curada, meu bem. Cure as minhas ressacas, minha TPM, minha bipolaridade, minha vontade de fazer e ser tudo e todas as coisas ao mesmo tempo e então sou capaz de prometer amor eterno. Mas saiba que nessa minha vontade de ser tudo falta a de ser princesa, de viver no alto da torre, de tricotar e de usar vestido rosa. Tenho os pés descalços, calejados de chão de terra batida e unhas encravadas que às vezes doem muito. Não combinam em nada com aqueles sapatinhos de cristal que você viu na vitrine do shopping e quis comprar para mim. Meu gosto por tênis não vai passar nunca. Abro mão deles pelas botas de canos bem longos para os dias de temporal porque tenho pavor de frio nos pés. Tenho medo de frio nos pés, de ratos e de ser princesa. Todas as outras coisas até supero bem. Até sopro de vento sul na fresta da janela tenho coragem de enfrentar. Além de sapatinho de cristal dispenso prendas como tecidos, linhas, agulhas e dedal. Acho dedal um nome engraçado, e nem sei por que lembrei isso agora. Minha avó usava dedal para fazer caseado nos vestidos de criança que ela costurava até de madrugada para ajudar nas despesas de casa. Minha avó não era princesa e tão pouco minha mãe. Geneticamente desprovida do DNA real, melhor aceitar de uma vez que as coordenadas do meu caminho são dadas por mim. Se quiser ajudar, não fale comigo quando eu não quiser falar. Não diga que tal roupa me engorda ou que tal amiga não presta. Se quiser ajudar, diga que sou linda quando acordo bem baixinho todos os dias e me sirva café preto forte e sem açúcar. Aperte as pontas dos meus pés com suavidade quando eu estiver cansada e finja entender a confusão de vários assuntos que eu vou emendando quando estou agitada. Se quiser ajudar, goste da minha unha por fazer quando eu estiver sem tempo e cometa a extravagância de comprar uma passagem para qualquer lugar do mundo ao menos uma vez na vida. Não me queira mal por não ser princesa e nem deixe de me querer por isso. Ao contrário, sinta orgulho. Conte ao seu melhor amigo que sente minha falta quando passo o domingo inteiro trabalhando ao invés de fazer disso um drama. Ria das minhas gargalhadas e nunca peça que eu fale menos. Não recrimine minha falta de modos para as coisas delicadas. Use isso a seu favor e feche a porta.

 


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