Pratos na mesa - Jornal Fato
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Pratos na mesa


Tinha o costume de seduzir as pessoas pela comida. Gostava de exalar cheiros enquanto mexia panelas sem hesitar. Preparar alimentos era sua forma de controle social e também, às vezes, sua melhor maneira de amar. O paladar, segundo suas fontes de pesquisa, mexia com músculos e emoções. Além de garantir sinestesias poéticas.

 

Cozinhava dizendo coisas lindas de Vinícius de Moraes... "eia, a mulher amada!" Aliás, se considerava bem amada e resolvida. E seus piores danos eram resolvidos ao se debruçar em panelas, arrumação de mesa, nas juras de amor ditas após um banquete daqueles.

 

Cozinhar, escrever, recitar Vinícius, abraçar, beijos molhados e recíprocos eram suas melhores paixões. Era seu gozo mais latente. Não que seu cotidiano não doesse e suas veias sobressaltassem quando acordava em cores opacas, mas, era dada às gargalhadas e alegrias que venciam desafetos e os vizinhos, que reclamavam dos seus estardalhaços de felicidade.

 

O paladar, sem dúvida, era seu ponto forte, seu acerto de contas com todos os desamores e desesperanças do seu mundo. Amava ver panelas borbulhando, exalando odores que avisavam ao estômago e às imaginações alheias sobre o prato a ser preparado. Mas, de vez em quando, bancava a boazinha e oferecia potes, aos vizinhos, dos quitutes. Todos admiravam por tamanho talento e sua vizinhança, assim, esquecia do barulho das risadas sem regras.

 

Passava horas em movimento em cima do fogão. Escolhia, com delicadeza e competência, seus temperos, pois, segundo ela, eram os melhores perfumes. Sua casa era dada a esses aromas e não se importava em lavar as louças depois. E depois de tudo cozido, pegava, na estante, seus melhores textos de Vinícius e alguns de Augusto dos Anjos e começava evocar pela casa. Poetizava, declamava, era verborrágica mesmo quando se tratava de poesia. Trazia literatura embalada em seu corpo, risos e nas comidas feitas nas noites mais lindas e nos dias menos encantadores.

 

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