Posso dar um sorriso? - Jornal Fato
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Posso dar um sorriso?


Lidar com frustrações não é tarefa fácil para nós. Mas, ao assumirmos nossa condição humana, recebemos um "pacote", no qual temos que lidar com os fantasmas do medo, da perda e das terríveis frustrações. Eu, sempre, engoli-as a seco, com um gosto amargo difícil de ser digerido.

Por outro lado, percebo que são elas que me aproximam da minha verdade humana; das sentenças diárias de sobrevivência as quais temos que cumprir. Lidar com a sua ineficiência e suas carências enquanto sujeito requer aproximação com as danações e o que o torna mais humano: a certeza da incompletude.  Estamos sendo costurados a todo tempo, ora o tecido rasga ora o encadeamento das linhas fica torto.

Mas, é possível, ao final, depois de muito tecer, termos uma roupa bem criada, que caiba perfeitamente em nossos traços corporais. Frustrar indica que esperamos demais na porta, inventamos palavras para que os substantivos fossem com zelo bem adjetivados e tentamos escapar da "roda viva" ditada pela vida. E aí reside o espetáculo.

Ser humano é estar constantemente em pirambeiras, podendo, em algum momento, cair ou levar aquele susto ao estar agarrada aos galhos, podendo se desprender. Todavia, neste caminho perigoso, você pode encontrar uma outra vertente na estrada e vê, deste mesmo precipício, belezas inimagináveis, só conseguidas serem vistas dali. É, querido leitor, pagamos um preço constantemente por sermos quem somos e frustrar-se indica que ainda é tempo de vermos outras possibilidades.

A gente nunca está pronto, fazemo-nos ao longo da vida, já sentencia o filósofo Cortella. Sempre merecemos uma nova edição, que vai sendo revisada e ampliada. E ver que expectativas não foram atendidas nos dá a sensação de humanidade, de que não somos prontos. Agora, é necessário, é visceral juntarem os sonhos e as emoções, fazendo uma faxina, como tantas vezes fazemos em nossa casa. Mas, casa da alma é mais emocionante e dolorido também.

A dor tem seus benefícios. Deixamos de estar anestesiados e buscamos uma posologia. Qual remédio irá nos tratar. Desta forma, a dor - e frustrações- tiram-nos do conformismo e da falta de perplexidade. E estar perplexos diante da vida dá-nos a possibilidade de editar o nosso livro.

O medo e as frustrações são parte do "pacote" para que consigamos costurar corretamente o tecido, pois nos mostram que podemos nos inventar, vencer as canalhices e todas nossas mediocridades. Não desejo, em meu túmulo, o nascimento de flores amarelas e medrosas como versa Drummond (Congresso Internacional do Medo). Sei que estamos condenados à morte, mas desejo, em vida, continuar viva e utilizar minhas frustrações (que sempre existirão) como precursoras de olhares e de entendimentos que me distanciem do pessimismo, da ausência de sofrimento.

Se não sofrermos e avançarmos, teremos uma vida ensopada de banalidades e sem percepções. E isto, sim, me levará à uma existência  agonizante, vazia, mesquinha, sem musicalidade. Reinventemos, pois, nossas compreensões sobre nossas capacidades de se frustrar, perder, errar e ter medo, e escapar, com elegância e coragem, de tudo isso, sabendo que somos contrastes, visto que sofremos, mas ali, na nossa boca, tem sempre um sorriso querendo se infiltrar. E, como, embeleza Mário Sérgio Cortella "Eu preciso transbordar, ir além da minha borda, preciso me comunicar, preciso me juntar, preciso me repartir. Nesta hora, minha vida que, sem dúvida, ela é curta, eu desejo que ela não seja pequena."


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