Paz interior - Jornal Fato
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Paz interior


Os olhos eram de absoluto pavor. O coração disparado, as mãos geladas e suor abundante denunciavam o desconforto à flor da pele. Após anos de reclusão voluntária num local isolado, em meio à natureza, precisou retomar contatos, mesmo que rapidamente.

 

No que se tornara o seu habitat natural tinha tudo que precisava. E livrara-se de tudo e todos que faziam tanto mal, e eram perfeitamente dispensáveis.  Plantava o que comia, a água era de nascente preservada, vivia em perfeita sintonia com a natureza, aplicava no dia a dia o que sonhara sempre em relação ao desapego, paz interior e qualidade de vida.

 

Se havia um significado pleno da presença de Deus nas pequenas coisas, era ali naquele pedaço de paraíso cercado de plantas, árvores e flores por todos os lados. A soberania do Altíssimo era percebida desde o nascer até o por do sol. Em cada detalhe.

 

Claro que enquanto vivia, se é que se pode chamar de viver aquela correria infernal, trânsito caótico e muitas contas quase impagáveis para manter padrão de vida e aparências, não imaginava que para viver um sonho bastava acreditar nele.

 

Estava ocupada demais querendo ter. O ser podia esperar até conquistar mais dinheiro, poder, amigos, sucesso e visibilidade na sociedade e no mercado de trabalho. Muita futilidade para uma pessoa só, mas achava que valia muito a pena.

 

Mas hoje percebe nitidamente que eram tempos movidos a ilusões, vaidade e arrogância. Tempos em que as conveniências, oportunismo e relações predatórias mandavam no jogo, comprometendo a sanidade física e mental.

 

Acima de tudo, quem sabe, a emocional, que já estava arrasada por tantos encontros e desencontros. E o principal desencontro, mais nocivo, era com a própria essência, cada vez mais negligenciada.

 

Ela, que começara a vida disposta a manter princípios e valores firmes e inabaláveis, estava cada vez abrindo mão deles para avançar, para agradar a gregos e troianos, para ascender profissional e socialmente.

 

Chegou ao ponto de acender uma vela para Deus e outra para o diabo. E foi exatamente quando começou a se sentir violentada. Quando finalmente soou o sinal de alerta. Os dias eram cinzentos, pesados, doloridos, sofridos mesmo, independente do sol escaldante lá fora.

 

O cinza já tinha tomado conta da alma, não importava o brilho do sol. Então se deu conta que o preço a ser pago para fazer parte daquela sociedade era alto demais.  Apesar da badalação e aparente alegria, quando mais precisava estava só. Fatalmente só.

 

Diante do desejo imperioso e inadiável de viver intensamente, enlouqueceu, como diziam seus amigos de rotina sofrida e amarga, e largou tudo para se embrenhar no mato. Imensamente feliz, num processo de adaptação relativamente demorado, mas altamente compensador.

 

Enquanto divaga, volta a sentir o desconforto das mãos geladas e do coração palpitante. Tem uma certeza inabalável. Não quer mais coisas e pessoas, que com sua permissão, fizeram tanto mal na sua caminhada.

 

Pensa na sua casinha branca de varanda, no meio do nada, em que tem tudo, principalmente a paz que buscou a vida toda. E descobre, aliviada, que isso basta. Não é preciso muito para ser feliz.


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