Os incomodados que se incomodem - Jornal Fato
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Os incomodados que se incomodem


Domingo é o único dia da semana que, às vezes, eu posso dormir até mais tarde. Ou poderia, se não fosse o cachorro da vizinha que, somente aos domingos, como se fosse de propósito, começa a latir antes das sete da manhã. Nos outros dias, quando às seis já estou de pé, os moradores do prédio sequer se lembram que existe um cachorro que, irritantemente, nos desperta aos domingos. Ele fica quieto, na certa dormindo o mesmo sono que desejamos ter quando o fim de semana chegar.

 

Há trechos na cidade em que não se pode estacionar. E isso não acontece porque alguém, do nada, decidiu que ali deveria ser proibido. Geralmente, os lugares onde é proibido estacionar, é porque não há mesmo alternativa. O trânsito precisa fluir. Mas a moça precisa devolver uma sacola na loja bem rapidinho, então dane-se quem está atrás dela, se está atrasado, com pressa ou doente. Ela para tudo para devolver a blusa, buscar o vestido, pagar o sapato, buscar o cartão de crédito que esqueceu e continuar seu percurso para chegar logo na academia. O mundo, afinal, precisa curvar-se às suas vaidades. Serão apenas alguns minutos.

 

Ainda sobre carros, é normal que as calçadas estejam ocupadas por eles. Dia e noite. Existe uma igreja em uma conhecida rua do centro, que é nova por ali. Não há estacionamento e nem espaço para fazê-lo. Então, muitos fiéis, para que seus carros não fiquem longe por alguns metros, enfiam-nos no pavimento que deveria ser de exclusiva circulação de pedestres. Em suas orações, já acomodados nos bancos, devem pedir perdão, e sentirem-se perdoados, enquanto deficientes físicos, idosos e crianças precisam passar pelo meio da rua.

 

E você gosta de música? Deveria, e de todas, como norma de boa convivência. Veículos, bares, casas e templos religiosos aumentam mais e mais a cada dia o volume de suas canções. Nem dentro de casa é possível encontrar a paz de um silêncio que dure. E se não é música, são os escapamentos das motos. E se não são as motos, são gritos. E se não são gritos, são tiros. A lista de coisas que são utilizadas por quem não se incomoda de incomodar é grande e variada, e dizem, o que não tem remédio, remediado está. E todos os dias passamos torcendo para que logo chegue o tempo da empatia.

 

Quanto a mim, incomodada com tudo isso, com a violência, com o preconceito e com a corrupção, sigo incomodando sem querer quem, sem nada melhor para fazer, passa o tempo todo incomodado com a vida alheia. Eles que convivam com isso.


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