Opção de vida - Jornal Fato
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Opção de vida


Agulha era um morador de rua que vivia nos arredores da Santa Casa, dormia embaixo do viaduto que fica nas proximidades e recebia alimentos e atenção dos moradores dos arredores. Agulha era do bem, não perturbava as pessoas, só que por conta da falta de banho o seu odor não era agradável. Frequentava as missas da Catedral e da Capelinha da Santa Casa, cumprimentava todos, alegre e feliz, mas em geral preferia dar as mãos as mulheres. Durante o governo do Prefeito Ferraço, este contemplou Agulha com uma casa popular no Village da Luz. Agulha não se adaptou, tentou vender a casa e voltou para as ruas. Terminou seus dias sendo cuidado na Santa Casa que sempre o apoiou.

 

Fato semelhante aconteceu com outra moradora de rua, Maria Gasolina. Ela residia num pequeno cômodo que abrigava o vigia da linha férrea. O espaço era tão exíguo que ela devia dormir em pé. Sua condição sensibilizou o Prefeito Ferraço que também lhe doou uma casa no Village. Quando seu cômodo foi demolido, a quantidade de baratas e ratos no espaço foi espantosa. Porém Gasolina não se adaptou à casa nova e voltou rapidamente as ruas. Certa noite chuvosa eu a encontrei encolhida na rua, a coloquei no carro e a levei para o lar Adelson Moreira. Lá estava acontecendo uma Festa Junina e a diretora recebeu Gasolina carinhosamente. Lembro-me das suas palavras: - Maria, esperei você por toda vida! E lá ela viveu até o seu falecimento, contudo sua adaptação não foi fácil.

 

Outro morador de rua que deixou lembrança foi o Cosme, conhecido como Tonelada. Era jovem, usuário de drogas e gordo mórbido. Sua família era da Bahia, mas conseguimos localizar parentes aqui. Tentamos adaptá-lo aos familiares o que não foi possível. Conseguimos incluí-lo no Benefício de Prestação Continuada do INSS, e por conta desse fato ele deixou, temporariamente, as ruas por medo de perder o benefício. Também foi contemplado com uma casa, que teve que ser adaptada devido ao espaço que ele ocupava, mas logo a abandonou. Conseguimos também interna-lo algumas vezes na Clínica Santa Isabel para desintoxicação, mas sempre conseguia escapar. Morreu jovem, seu corpo não resistiu ao peso e as condições de vida. Lembro-me dos três e de muitos outros moradores de rua, de onde, pela lei não podem ser recolhidos, apenas acolhidos. E respeitados em sua opção de vida.

 

 

 


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