O templo - Jornal Fato
Colunistas

O templo


 

Ensimesmada ao pé da cama,
salmodiava as insistentes orações:
se Deus carne habitasse meu peito, dizia,
seria uma mulher mais amável.
Sentia fel na boca e a língua provocava estalos
desses que parecem vocábulos.
Sua alma cheirando a fé
lacrimejava a insensatez de um mundo resistente
de gente que se deforma para caber nos vasilhames.
As pessoas estão barateando as gargalhadas e os choros de utopia.
Seus pedidos de espírito
deixavam sua voz mais frouxa
e seu coração um pouco firme.
Uma rigidez plantada para que respire o mundo.
Para que consiga desejar eventos banais.
E saiba melodias de frases achadas.
Ela não acreditava nas sentenças de efeito,
nem tão pouco problematizava promessas.
Seus encontros com os elos imaginários
e com suas aparecências
traziam para o canto de si mesma
um hemisfério mítico,
de santos e humanos,
de certezas refugiadas nos cantos bíblicos.
Na ausência de carnes, devolvia seu espírito
aos sermões do seu templo,
do contorno do corpo
que armazenava o sopro da vida. 
 

Simone Lacerda é professora.

cheirosensaiosepoesia.blogspot.com.br


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