O que permanecerá? - Jornal Fato
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O que permanecerá?


Estamos constantemente deixando para outro dia, outra hora, outra segunda-feira, outra semana e, quando não damos conta, tudo passou, nós inclusive. Por que deixamos de dizer, se importar? Por que não investimos no bem mais precioso: o ser humano?

 

Lembro de uma médica, contando acerca de uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, em 2011, sobre os cinco principais arrependimentos na vida dos pacientes terminais: 1- Não viver uma vida fiel a si mesmo, e sim a que os outros esperam; 2- Ter trabalhado tanto; 3- Não ter tido coragem para expressar os sentimentos; 4- Não ter mantido sempre os contatos com os amigos; 5-  Não ter se deixado ser mais feliz.

 

Diante "desses arrependimentos" de pessoas que, como nós, erraram, acertaram, construíram e abrilhantaram sua existência, passo a repensar minhas andanças na humanidade e o que tenho feito para que minha vida seja melhor e a dos outros que caminham comigo.

 

Para Freud, em seu livro "Mal estar na civilização", o homem anseia pela felicidade e esta é atingida pela satisfação de seus prazeres, para Sócrates, ela é o bem da alma, a qual só pode ser atingida por meio de uma conduta virtuosa e justa; para Clarice Lispector, seria o mergulho no que é desconhecido.

 

São tantas construções de felicidade, vontade máxima de vida de qualquer ser humano, que coloco meus anseios e minhas questões no modo reverso para inaugurar formas de plenitude e paz a fim de que, na minha morte, caso haja tempo de arrepender-me, possa fazer com o mínimo de elementos possíveis.

 

A morte, tão presente quanto à vida, é um elemento que tentamos subverter a todo o momento, como se fôssemos manter a frágil e breve noção de imortalidade. Nada escapa disso. Somos carnes que apodrecem, emoções que finalizam, sensações que adormecem em nossos túmulos. E o que fazer neste espaço de tempo? O que deixaremos de viver? Não cobriremos o outro de vida e esperança? Não selaremos um trato leal com a vida?

 

Diante de tantos acontecimentos doloridos- pessoal e coletivo- o que nós, seres humanos, temos feito com nós mesmos? A violência, em sua forma mais brutal, a corrupção que suja a vida e a sociedade, o trabalho que mecaniza, as relações pautadas em silêncios, vazios e hipocrisias, a falta de sensibilidade com a dor do outro, a falta de construção de coragem e resiliência e tantas outros fatores massacrados farão o que de nós? Permitirão que reinventemos e transformemos o que em nossas existências?

 

E se fossem seus últimos dias, sua última semana de vida, o que faria? O que construiria de diferente? Tantas coisas perdem sentido, outras ganham contornos gigantescos quando nos levamos a este contexto. Então, por que tratar mal o outro? Por que acreditar que o seu dinheiro compra pessoas no mesmo grau que coisas? Por que se vê como figura estratosférica, acima do bem e mal? Tudo isso se desmanchará quando se for...

 

E o que fica? O seu melhor! Aquele sorriso sempre amanhecido; a tarde com seus amados e queridos; o olhar junto com as palavras de que ama muito e quer sempre perto; o perdão tirado da gaveta, pois arranha a alma; a poesia que inundou sua vida inteira, a ajuda essencial para que seu semelhante voltasse acreditar na sua própria história; a fé e coragem que fomentou tanto o outro. De resto, nada permanecerá.

 

 

 

 

 


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