O Jeito é a Educação - Jornal Fato
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O Jeito é a Educação


 

Durante a inauguração da minibiblioteca do projeto Livres Livros, na Praça Jerônimo Monteiro, vivenciei momentos importantes da cultura da cidade e, de modo geral, da cultura como manifestação humana.

 

É a terceira casinha do Livres Livros que é inaugurada em Cachoeiro. Só que essa, bem no centro da cidade, bem próximo aos locais por onde me movimento naturalmente, me trouxe muitas e maiores emoções.

 

Não executando nada, apenas acompanhando Maria Elvira e doando alguns livros de minhas estantes, pude observar - neste caso específico - tudo o que ocorre quando pessoas de bem fazem coisas boas. E para não me esquecer, listo logo essas pessoas de bem, as que estão à frente do empreendimento: Raissa Martins, Maria Elvira, Rosa Malena, Micheline, Flávio Carleti, Milena e, claro, o Denis, que foi prestar seus serviços nas regiões centrais do Brasil e não pode ver a extensão da obra cultural que ajudou a trazer para Cachoeiro.

 

Trabalhar bem, eles trabalharam e trabalham, e ainda trabalharão. Mas como somos humanos em busca de resultados concretos, o trabalhar bem é coisa que a gente só enxerga pelo resultado. O melhor e mais doce dos trabalhos nada será se não provocar no coração e nas atitudes dos outros, uma explosão de paixão e de racionalidade escondidas. Esse trabalho só será bom se atingir objetivos - no caso, objetivos culturais que cheguem senão a todos, ao menos à expressiva maioria.

 

Mas tudo isso seria mera matéria de crônica despretensiosa, se não tivesse atingido os sentimentos de uma criança - criança mesmo, pois o caso que vou contar tem como protagonista a Rayka, menina que, acredito, nos seus sete anos de idade.

 

Deu-se que, na inauguração da Livres Livros da Praça Jerônimo Monteiro,  após o Padre Joarez, pároco da Catedral, abençoar a ação, desceu aquele "branco" nos presentes. Legal, inaugurado sim, e ninguém tinha "coragem" de ser o primeiro a abrir a portinha com o tesouro de livros escondidos.  Foi ai que vi Rayka, bem próxima da porta da casinha, quietinha, esperando como todos os outros e outras. Incentivei-a, abri a porta da casinha para ela e ela logo pegou um livro e mostrou sorriso dos mais lindos que já vi na vida. Foi quando sua mãe disse para ela: - "Rayka, minha filha, você trouxe dois livros seus para colocar na casinha!!!". E Rayka, prontamente, voltou e colocou os então seus livros lá. E mostrou - outra vez - o sorriso mais lindo que já vi na vida. O sorriso da doação sem dor.

 

Às vezes me perguntam se o Brasil tem jeito e que jeito é esse. O jeito é a educação de nossas crianças. E quando uma criança como Rayka doa seus próprios livros, com belo sorriso no rosto (e eu sei a dor que foi para mim repassar meus próprios livros - coisa que, só agora, aos 68 anos, faço com tranquilidade), ai tenho certeza, é a educação da doação, e só ela, que nos irá salvar, salvar nossa gente e salvar o Brasil.

 

Livres Livros Livres da Chuva

 

 

Quando caiu o temporal violento da noite de quarta-feira, tive sérias preocupações sobre como estaria a cidade no dia seguinte. Lembrei-me da tragédia de São Vicente e fui repassando outros locais que órgãos públicos federais indicam serem perigosíssimos se vier chuva pesada ou permanente. São muitos bairros.

 

Mas ainda não pensara no Livres Livros e nas suas três casinhas de madeira, recheadas de livros, espalhadas por Cachoeiro, quando me chegou mensagem particular (in box) pela rede social. Nem tive tempo de me preocupar com os livros, vez que o amigo e músico Helder Gonçalves me informou prontamente que "os livros não molharam". E, como se fosse prova, me mandou a foto desta página, com a casinha linda, linda e cheia de cultura, muito bem construída a ponto de suportar tanta intempérie.

 

Tanto quanto a qualidade do artesanato do Cesar, responsável pela confecção da casinha de livros, louvo a preocupação do Helder, ao me fazer a comunicação, sabendo que faço parte do cordão do fã-clube do Livres Livros, que cada vez aumenta mais.

 

(É muito bom viver numa cidade em que moram o Helder, o Cesar e toda a turminha que citei na crônica aí de cima).

 

Lá Onde Moro

 

Christian Silva

 

Minha casa fica aqui. Acredito e reconheço. Sem luxo, sem ostentar. De infelicidade não padeço. As ruas não têm asfalto. Às vezes nem endereço. Mas ninguém se preocupa. Aqui só há: "Eu me esqueço!..." Não reclamo, nem me contento. Só reluto, no intento.

 

Claro, se falar, ninguém escuta. Na realidade, tudo aqui é uma grande labuta.

 

Vizinhança é ressentida. Será que um "bom-dia" vale a vida?...

 

Compadeço-me sem esforço. Aberto a funcionar aqui, só o esgoto.

 

O comércio agradece, pois de comprar, ninguém se esquece.

 

Pelas crianças, me alarmo. Elas sofrem desamparo. De brincar e vagar pelas ruas, em decadência e descaso. Os mais velhos são abandonados. Mas continuam vivendo, mesmo de lado. Por tranquilidade e descanso, todos esperam sentados.

 

De vez em quando alguém diz: "Cadê o prefeito desta cidade?" Outro logo responde: "Há décadas, o melhor já foi enterrado. Só deixou saudade. Este atual, ninguém conhece. É um falastrão, procrastino de má vontade. Conhece o "conto do vigário'? Esta é nossa realidade."

 

Diante de tantos problemas, me pergunto: "Mas cadê a sociedade?" Quase ninguém sabe a resposta. Acredite em mim, atrás dela, já bati de porta em porta. Cheguei a uma infeliz conclusão. A sociedade é um garoto fujão. Não! É o estourar de um rojão; só se espalha por aí, mas logo se apaga. Deveria ser como uma chama ao vento, que tão logo se propaga.

 

O povo tem poder. Se falar, ninguém o cala. Ainda mais em larga escala.

 

Me aquieto, tento me contentar. Mas satisfeito é impossível ficar. Para mim é mais fácil, me movimentar. Aqui me encerro. Vou me debandar. (Christian Silva é pseudônimo de um ótimo cronista da cidade, jovem de 19 anos e que ainda não quer se identificar).

 


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