Nota Zero - Jornal Fato
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Nota Zero


Não estranhei a quantidade de alunos que conseguiram zerar suas redações na prova do Enem deste ano. Segundo estatísticas, foram cerca de 500 mil estudantes, contando que, apenas, 250 conseguiram nota máxima dos 6.193.565 candidatos. Uma disparidade que, tratando-se de Brasil, apenas reforça outras contrariedades tão evidentes, que não me cabem, neste momento, tecer comentários críticos, até porque a própria realidade diz por nós.

 

Para mim, profissional da língua e apaixonada pelas letras, considero a situação estarrecedora, visto que nossos estudantes, em sua maioria, ou melhor, nossos falantes da língua portuguesa, realmente não conseguem produzir com eficiência um texto crítico, informativo e, mais além, um simples "post" com clareza e adequação ao contexto e aos mínimos rigores gramaticais. E por que isso?

 

Resposta bem simples: não sabem ler. Sabemos que ler não é, simplesmente, decodificar símbolos linguísticos, mas dar significados àquilo que se prestam os olhos correr. Se perguntarmos a uma parcela da população, qual foi o último livro lido ou qual foi o último texto que gostou, com justificativas, tenhamos a plena certeza -e afirmo triste- não saberá.

 

Falo de uma leitura vigorosa, de fruição, de pesquisa, de descobertas. Não se percebe o desejo de "descobrir" Pessoa, Drummond, Guimarães, Colassanti,  Fonseca, Proust,Espanca,Maquiavel e tantos criados ou não em nossa língua. E ler, cá para nós, é pra lá de apetitoso. É um encontro consigo mesmo, com os outros, suas alteridades, com os povos, fenômenos e as humanidades.

 

Não se descobre, nem tão pouco o seu igual ou diferente, sem passar pelos traços da escrita, sem reverenciar escritores locais e universais. E os resultados péssimos de leitura e escrita que vemos encaixar nas estatísticas brasileiras sintetizam nossa pobreza e ineficiência em tais quesitos. E podemos traçar paralelos entre os índices de leitura e de desenvolvimento econômico, haja vista os grandes países em economia e política caberem perfeitamente nos primeiros patamares de leitura. Pensemos nisso: Leitura e desenvolvimento socioeconômico.

 

Minha tentativa aqui é verbalizar com "gritos" que ler é indispensável para que a humanidade permaneça com homens que saibam pensar e tenham propriedade naquilo que comunicam, que saibam se colocar por meio do discurso, não se distanciando das análises e decisões, como tenho presenciado.

 

Distante da leitura, temos uma sociedade apática, que desconhece o discurso crítico, arrastando-se para correntes de quem domina a palavra e a carrega de cascas tendenciosas. Infelizmente, o resultado do Enem legitima que os falantes se distanciaram "da última flor do Lácio", criando lacunas, bem profundas, entre a língua e o processo de comunicação; entre o mundo audacioso e estimulante da leitura e a "facilidade" imbecil do control c e control v. Realmente, sem a leitura, calamo-nos, reverenciamos simulacros e passamos habitar em lugar nenhum.

 

Simone Lacerda é professora.


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