NOLENS VOLENS - Jornal Fato
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NOLENS VOLENS


"Não querendo, querendo." A citação latina se apresenta na leitura diária. Definia com clareza o estado de espírito em que se encontrava. Silvio, após meses de ausência de contato físico e visual com Márcia, sentia-se perdido. Uma nova citação: Mea Culpa. Uma dúvida em seu íntimo. Culpa dele? Não. No amor, menos ainda na paixão, não existe culpados. Quem sabe? O destino, fortuna, coisas da emoção ou dos sentidos. A decisão foi racional. Viviam em tempos discordantes. Como se vivessem em épocas distantes em galáxias. Diferentes não só na idade, quase vinte anos, mas no tempo social. Separados por gerações. Por conta de suas diferenças a sociedade exigia o afastamento. Apesar de toda modernidade. Era mais fácil assim. O tempo que viveram a paixão foi uma fantasia. Viveram em um mundo próprio, mundo de emoções e sentimentos fortes, a civilização exigia um comportamento racional - exigia protocolo de convivência. Deviam sacrificar o amor e a paixão para se evitar sofrimentos. Mais ainda: evitar constrangimentos. Viveriam um mundo de aparências. O tempo se encarregaria de apagar o fogo da paixão. Os desejos desapareceriam nas suas cinzas. Foi assim na adolescência; seria assim na vida adulta. Nos livros, romances, poesias e relatos de amigos, Silvio constatava que os que fugiram ao comportamento exigido pela sociedade feriram-se até a morte. Ele tinha medo.

 

 Difficile Est Longum Subito Deponere Amorem: "Como é difícil esquecer de repente um longo amor." Em suas citações, a cada frase uma lembrança. Lembrava-se do seu último encontro. Pediu uma nova chance, um último beijo, quem sabe um abraço, ou o que mais desejava: uma longa tarde de amor. Não. Márcia estava decidida. Disse: acabou. Não voltaria a sofrer. Não se encontrariam mais. Cabia a ele curar-se da doença, curar-se da dependência. Uma forma de dependência química, a atividade era cerebral, apesar de nascer em suas emoções, em seus sentimentos, em seus desejos. Uma intensa ação cerebral, como ondas, encharcando sua mente com imagens da Márcia. Precisava curar-se. Uma decisão, renovada é verdade. Esquecer era uma necessidade. O tempo cicatrizaria o restante.

 

Retornava à vida. Alguns momentos difíceis: fim de tarde, fim de semana, domingo à tarde... Nos meses seguintes, lentamente, as lembranças iam se apagando, começava a não lembrar. Sentia-se aliviado, diminuía o desejo e a necessidade de procurá-la. Estava leve e feliz. Diminuía a dependência daquela paixão. Uma saudade leve, um quase amor. Lembrava-se, raramente, das tardes em que se encontravam. Da intensidade e paixão que demonstravam quando juntos. Dos beijos e abraços, dos corpos suados se apertando. Algo distante. Uma recordação, uma lembrança sem sofrimento. Começava a curar-se. Era um domingo. Na terça, Márcia apareceu. Nada falou. Encontrava-se à sua frente. Em local que não deveria estar. Uma provocação. Fingiu não ver. Nada falou. Nem mesmo uma saudação. Evitou o bom dia. Ignorou. Fez o que tinha que fazer: ignorar. Na saída, olhou. Encontrava-se como no primeiro dia em que a conhecera. Lembrou o local do encontro: farmácia. Aproximou-se. Nada disseram. Olharam-se. No olhar estava escrito: meu amor. O beijo no rosto, uma lágrima nas pálpebras. Ela disse: meu amor...

 

Sergio Damião Sant´Anna Moraes

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