Neuróticos e Canalhas - Jornal Fato
Colunistas

Neuróticos e Canalhas


Assisti recentemente a uma palestra da filósofa e escritora Márcia Tiburi. Ela afirmou que hoje há empobrecimento da experiência de pensamento. As pessoas estariam pensando muito pouco, e que por isso seria importante manter a Filosofia na escola.

 

"É Importante continuar lendo Filosofia, formar grupos fora da escola que invadam o cotidiano, porque é muito importante para a sobrevivência da experiência de pensamento". A escritora lamenta, contudo, que a Filosofia vá interessar a muito poucos, apesar da urgência do pensamento especializado.

 

E ela justifica, esclarecendo que não podemos perder de vista o potencial desse pensamento especializado, porque ele pode transformar as vidas e a própria sociedade. "A filosofia não fala para convencer, não fala para conquistar o voto, para ganhar o dízimo. A Filosofia quer que as pessoas peguem a teoria e pensem por conta própria. Tenham uma experiência de pensamento".

 

Márcia Tiburi enfatiza que as pessoas adotaram respostas prontas, mas que a Filosofia incentiva as perguntas para que cada um encontre sua resposta, e tão logo a encontre faça novas perguntas. "As perguntas são como chaves que abrem portas secretas. O que está acontecendo com a nossa vida cognitiva para aceitar tão fácil respostas prontas?", questiona.

 

Outra abordagem foi sobre o fato de que ser neurótico que se reconhece como tal é saudável, já que você vai ao consultório porque tem dúvidas que precisa esclarecer. E recorreu a conceitos lacanianos. "Quem nunca vai ao consultório é o canalha, porque ele não sofre. Quem fica indiferente em circunstâncias de muito sofrimento coletivo precisa se tratar. Ele está indo para o padrão perverso", ressalta.

 

Nas palavras da escritora, o canalha não questiona porque o outro inexiste para ele. E foi contundente. "O canalha padece de um mal terrível que atingiu a humanidade, que é o mal da burrice (mais uma vez recorrendo a Lacan). A burrice não é uma ignorância qualquer. É a prepotência do saber".

 

"O burro sabe tudo antes e fala antes de ter entendido, pesquisado. Ele é um dogmático, prepotente e já tem tudo pronto. Quando uma pessoa começa a falar muita asneira, é a burra do Lacan".

 

O canalha então estaria no extremo da paranoia, Ele não tem nenhuma ética, é homofóbico, incentiva a cultura do ódio e tem grande preocupação com a sexualidade alheia. Nas palavras de Adorno, seria a personalidade autoritária. Identificou alguém nos Poderes Legislativo, Executivo ou Judiciário?

 

Márcia Tiburi recorre também a Adorno e fala das personalidades autoritárias, que têm ódio à inteligência e aos intelectuais, porque detestam tudo que pode provocar nela a sensação de inferioridade. "Personalidades autoritárias são invejosas que funcionam num registro de ressentimentos".

 

Em tempos da cultura do ódio, a filósofa destaca que não há mais preocupação com um valor como a verdade, que foi jogada no lixo. "Hoje a verdade se ajusta aos interesses de quem detém o poder". Para os neuróticos, uma lástima. Para os canalhas, o paraíso.


Comentários