Mulher Maravilha - Jornal Fato
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Mulher Maravilha


Não me peça para encostar em seu ombro e chorar. Não me diga que é normal mostrar-me frágil e dizer que não consigo sozinha. Não discurse que ser forte o tempo todo é irreal e que o peso precisa ser compartilhado. Não me queira vulnerável em seus braços porque esse lugar quero não. E se você for embora? E se desistir? E se uma tempestade de vento te levar para longe? E se você descobrir que seu caminho é outro? O que eu faço? Reaprendo sozinha como trocar o pneu do carro ou a lâmpada queimada? Reaprendo sozinha a tirar o espinho do dedo e a abrir a garrafa de vinho? Reaprendo sozinha acender o forno, consertar a máquina de lavar e gelar mais rápido as latas de cerveja? Reaprendo sozinha que lugar bom de chorar é no banheiro com a luz apagada e o chuveiro ligado?

 

Aceite-me assim, com capa de mulher maravilha. Faça de conta que gosta do meu jeito agressivo de dirigir e carregar sozinha as sacolas das compras de casa. Use minhas atitudes egoístas a seu favor, meu bem. Não faço isso por mal. É apenas o meu jeito de amenizar a solidão pós você, pós férias, pós carnaval, pós bebedeira, pós planos que dão errado.

 

Chegue aos poucos e invada meu espaço sem que eu perceba. Leve o carro para lavar dizendo que é porque vai usá-lo. Cozinhe para mim alegando que está testando uma receita nova. Encha meu copo com a desculpa de que vamos brindar juntos. Compre as frutas que eu gosto insinuando que é porque vai procurar se alimentar melhor. Faça por você ou por nós, mas não por mim.

 

Não mude suas roupas, suas músicas ou seus amigos. Não procure acordar mais cedo e nem passe a gostar de teatro. Não vá aos encontros da minha família se não estiver com vontade nem finja que gosta da minha melhor amiga. Não esconda o ciúme do meu passado se realmente sentir, mas, por favor, não faça disso um cavalo de batalhas desnecessário.

 

Abrace-me imperfeitamente teimosa. Queira-me desnecessariamente forte. Ama-me dissimuladamente autossuficiente. E então, todas as noites, eu dormirei nos seus braços. Involuntariamente a mercê de seus desejos.


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