Mentiras  - Jornal Fato
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Mentiras 


"Eu que não fumo queria um cigarro/ Eu que não amo você..."

 

Perdi a conta de quantas vezes ouvi essa música tentando me convencer de que eram verdades essas mentiras que passei todo esse tempo repetindo para mim, como se um mantra fosse.

 

Logo eu, que fumo todos os cigarros possíveis a cada ausência sua. Eu que devoro maços inteiros quando você me enche das mais insensatas acusações e depois vai embora batendo a porta e passa dias ignorando minhas ligações. Eu que vago madrugadas procurando postos de gasolina, bares e casas de amigas atrás de qualquer coisa que faça fumaça a fim de ajustar meus nervos que nunca foram de aço. Eu me encharco com perfume de lavanda e lavo o rosto com água quente quando você diz que vai voltar, e chupo bala de hortelã, troco o lençol e abro as janelas para te esperar sem cheiro de nicotina e sem mágoa. Apenas com braços bem abertos. E te aperto forte para que nunca mais vá embora. Logo eu que tremo de abstinência de tabaco, invento histórias porque a abstinência do seu corpo tem efeitos muito mais catastróficos.

 

Eu, que passo as noites te olhando dormir. Que sinto tambores no peito, pirilampos na barriga e vagalumes nos olhos todos os dias, como se ainda fosse a primeira vez, não digo que te amo. Logo eu, que decoro seus gostos, que me excito só de ouvir sua voz, que conheço até o ritmo da sua respiração, não digo que te amo. Eu, que só sossego no seu abraço, que sinto de longe o cheiro do seu cabelo, que adoro me demorar no banho com você, tenho medo de dizer e, assim, fazer você partir sem volta. Eu, que te ligo no meio da tarde por nada, que me arrepio com sua barba por fazer, que respeito o seu silêncio e acho lindo quando sorri e fecha os olhos e joga a cabeça para trás, tudo ao mesmo tempo, finjo que não te amo para não te espantar de mim.

 

Não quero mais nada disso, embora não abra mão de tudo isso. Quero a convivência com todas essas verdades tão latentes, porque não posso me desvencilhar delas. Quero que sinta o cheiro de todas as substancias do meu vício e me queira por perto ainda assim. Quero que meu amor não te seja um peso, e que não te afaste, ainda que propagado em outdoor ou trio elétrico, ou apenas no pé do ouvido, ou no meio do beijo, ou durante a partida do futebol, ou no meio do jornal nacional, ou no despertar do cochilo da tarde.

 

Quero tudo muito simples. Dizer que te amo durante, fumar um cigarro depois. E, por fim, perguntar se foi bom.


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