Memória afetiva - Jornal Fato
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Memória afetiva


Recordações nostálgicas recheadas de afeto me acertam em cheio com certa frequência. São coisas que marcaram não apenas minha infância, mas diversas fases da minha vida. Momentos únicos que eu reviveria, se pudesse. Momentos que são grandes riquezas que guardarei sempre comigo.

 

Esses rompantes me chegam através de cheiros, sons, imagens ou sabores. O gosto da carambola, o cheiro do pão caseiro, o som da banda do Liceu e a visão do rio Itapemirim me levam automaticamente para a infância na rua Moreira, e me transportam para junto dos velhos amigos, das brincadeiras de rua, dos meus primeiros traços de mulher. E tantas outras coisas me lembram tantas outras coisas! Cheiro de chocolate, de café e de peixe frito. Gosto de vinho, de cajá verde, de chiclete de melancia, de bala de cereja e broa quentinha. Som de concha encostada no ouvido, de música de Chico, papel de presente rasgando, de folha saindo da impressora, de telefone antigo tocando. Fotos, quadros, mapas e prédios. Cada coisa com uma história. Cada história com um significado. Cada significado com um peso. Agora mesmo ouço o som do teclado enquanto digito. Lá na frente vou me lembrar de hoje, e esse som do teclado poderá me remeter a essa tristeza imensa que sinto agora, com aquele peso de quem acaba concordando, mesmo sem querer, que os bons partem sempre cedo demais.

 

Perdemos mais que um colega de trabalho. Perdemos um ser humano desses bem porretas. Um cara pronto para ajudar. O dono do bom dia mais alto do mundo. Um sujeito que eu vivia mandando pentear o cabelo. Um amigo que nunca fez pré julgamentos. Um parceiro incapaz de dizer não. Uma figura indescritivelmente do bem. Além de tudo isso era pai, marido, filho, irmão, tio. Sobre essas coisas não tenho propriedade de falar. Mas desse companheiro de trabalho que esteve por perto mesmo quando eu estive longe eu posso. E devo. E digo agora porque, apesar de já ter dito antes, queria dizer mais. Só que ele foi e não me deu tempo. Coisas que esse menino grande e levado não perderia a oportunidade de fazer.

 

Todos os meus dias de trabalho trarão a memória afetiva de Marcão. O prédio que ele tanto gostava de estar. A mesa bagunçada. As pessoas que ele sequer conhecia e apareciam por aqui pedindo ajuda, e tendo a ajuda que pediam. A cadeira quebrada não me deixa esquecer que era para ele estar sentado nesse lugar que agora ocupo. Nessa organização tão dele, tão desorganizada, e tão pronta para atender todo mundo, ele sempre estará.

 

Já que não dá para ficar, vai na paz. Na memória afetiva de cada um que fica seu lugar vai ser sempre o de quem fez o certo, o melhor e o justo.

 


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