Melancolia - Jornal Fato
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Melancolia


Meu olhar ultimamente tem sido de saudade e melancolia. Saudade dos tempos em que me sentia segura, feliz, sem maiores preocupações de longo prazo. Importavam os bons momentos, o sorriso aberto, as gargalhadas e a sensação de eterno aconchego.

 

Aí surgem tempos sombrios e a gente perde o chão e a esperança. Apesar disso, o bucolismo insiste em resgatar as boas lembranças. Daquelas de causar arrepios e emoção. Que pareciam eternas companheiras.

 

E aí me recordo das viagens que fazia quando trabalhava numa cidade vizinha. O percurso era tempo de contemplação. Nos primeiros dias, paisagens sem referências corriam diante dos olhos, ora sonolentos, ora ansiosos. Nova etapa profissional numa cidade onde só estivera a passeio.

 

Ansiedades, dúvidas e medos ficam para traz e começo a perceber o bucolismo da casinha abandonada, que certamente já foi porto seguro de famílias que ali criaram seus filhos.

 

Melhoraram de vida ou foram gastar suas últimas forças em outras propriedades? Não sei, mas visualizo momentos felizes naquelas paredes que parecem de barro batido.

 

Da simplicidade ao conforto, do antigo ao contemporâneo, vislumbro uma bela e nova casa à frente da que certamente foi a principal da família por muitos anos. Telhas da velha casa sendo substituídas. Cada uma ao seu tempo, belíssimas.

 

As curvas e vegetação escondem sempre uma nova surpresa, um ponto ainda não percebido, histórias que talvez nunca sejam contadas. O cafezal salpicado de branco traz à memória os queridos que já partiram. Lembro da minha sogra, trabalhadora rural que vibrava com a floração de qualquer planta. Tinha prazer nas coisas simples.

 

Bate uma saudade inexplicável de pessoas e lugares que visitei, prometi voltar, mas não voltei. Sinto o cheiro da terra molhada, mesmo sem chuva. A memória olfativa é tão real que chego a coçar o nariz alérgico diante do cheiro imaginário das flores do jardim que apreciei, com suas flores multicoloridas.

 

Sinto o cheiro da chuva caindo nos canteiros que minha avó plantava, numa infância já bem distante. Cheia de crendices, soltava gostosas gargalhadas enquanto plantava alho porque dizia que assim as cabeças trariam dentes enormes.

 

Com tempo favorável ou não, lá estava ela plantando ervas medicinais e a horta de verduras e legumes variados. Era persistente. Sempre acreditava na próxima lua, sabia qual era indicada para cada plantio, que aquele esterco seria melhor e que conseguiria colher tudo que plantou.

 

Entendo então a importância da segunda chance, do segundo olhar. Mais aguçado, para perceber as boas e pequenas coisas da vida. Minha avó era dessas. Parteira, trazia muitos "afilhados" ao mundo. E foi carregando, ao longo da vida, as centenas de crianças que ajudou a nascer como gente da família.

 

Suas garrafadas de plantas medicinais eram famosas pelo resultado que apresentavam. Então, quando me vejo hoje diante da melancolia e da saudade provocada pelos lutos, queria que estivesse aqui com uma fórmula mágica que curasse a dor da alma.


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