Manias - Jornal Fato
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Manias


Acabo de acordar e você não está mais aqui. Nem preciso respirar fundo para sentir seu cheiro que ainda está no lençol revirado. Você, que está cansado de saber das minhas manias, adora fazer o contrário do que eu gosto. Como o lençol amassado com as pontas fora do colchão. Ou como os copos espalhados, as toalhas molhadas e a pia cheia de louças. Só você para fazer o amor superar o TOC. Nesse momento não é a baderna da casa o que importa. É sua ausência o que dói. Passei a madrugada te olhando dormir e não consegui lembrar de quando nessa vida eu fui mais feliz. As velas que iluminaram nossa noite já tinham apagado e eu só conseguia te ver pela fraca claridade que entrava na fresta da janela. Engraçado que te olhar dormindo me deu frio na barriga como se fosse aquele primeiro dia que eu te vi com o olhar sério passando a mão no pescoço com cara de quem precisava resolver alguma coisa mas que no fundo não estava tão preocupado assim. E depois desse dia tudo o que você fez foi me desafiar nas agonias, até sem querer. Pisou no meu tênis branco e eu fiquei doida até chegar em casa e tirar aquela marca escura de sapato. Olhava para mim enquanto mordia a ponta da caneta. Mexia nos talheres da mesa sem lavar as mãos enquanto a comida não vinha. E como eu pude me apaixonar por você apesar disso tudo? Não sei. Foi no seu caos que tudo o que eu buscava começou a fazer sentido. Você ri das minhas doideiras e dá gargalhadas das minhas piadas que qualquer pessoa no mundo sentiria vontade de me mandar calar a boca. Você usou a minha escova de dentes. Me deixou amarrotada quando cismou de não querer tirar o meu vestido dizendo que eu estava linda com ele e quando me viu toda amassada e despenteada disse que eu estava mais linda ainda. E falou isso com tanta propriedade que eu fiquei pensando até que poderia estar certo.

 

Eu que tinha jeito de dia, agora tenho jeito de noite. Eu que não suportava um quadro torto na parede, nem tenho mais atenção aos detalhes. Revirou meu mundo, minha casa, minha roupa e meu cabelo. Nada mais é certinho. Nada para no lugar. Foi nesse abraço desordenadamente gostoso e acolhedor que eu acabei descobrindo que a ordem de todas as coisas está aqui nessa alegria que sempre esteve dentro de mim, mas escondida embaixo dos outros sentimentos guardados em caixas perfeitamente organizadas em ordem alfabética. Você bagunçou tudo até achar o meu melhor. Agora volta que estou te esperando com a casa do jeito que a gente deixou. Vem acabar de tumultuar porque não vejo a hora de toda essa baderna tomar conta de mim de uma vez por todas, quando então todos os dias serão dias felizes.


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