José, para onde? - Jornal Fato
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José, para onde?


A vida está sempre disposta a nos ensinar, às vezes, da maneira mais danosa. E crescer dói, causa náuseas na alma e dá atrito ao corpo e ao espírito. É um processo lento, cruel e pesado, uma mala que é difícil carregar, arrastamo-na. Mas, não há crescimento sem cortes. Não há consolidação sem desamparos, sem feridas que precisam doer, inflamar, putrificar para que as cascas sejam o sinal de que muitas coisas precisam morrer  e que novas realidades ganhem corpo.

 

O crescimento humano lida com o embate, o enfrentamento, a verdade sem amenidades, sem brisa poética e cenários  prováveis. E isso é difícil porque não há muletas, paredes nuas para se encostar, como diz Drummond, em seu poema fantástico " José". E agora? só há você, o tempo, a dor e o que fazer com ela.

 

Este momento é indispensável. O que construir com as ribanceiras, com os destroços restados de uma guerra drástica: seu mundo interno. As decepções deflagram que a humanidade, mesmo audaciosa, é mesquinha demais, é frágil, é errante. Na verdade, todos somos. O que fazem com meu espaço também, em algum momento, fizemos com o cenário do outro. Vamos, desta maneira, digladiando entre nós, subvertendo o acaso, o destino, a ordem, a vida.

 

A indagação sugerida por Drummond cabe perfeitamente em nossos dias, haja vista a literatura ( a boa) ser atemporal. Qual o sentido, o caminho, a verdade suscitada pelos dilemas e confrontos. O que restará de "José", uma metáfora de nós mesmos. Vivemos vazios, ausências e excessos que nos deflagram, nos negam e nos mostram na mais profunda certeza, na feiúra que tentamos guardar, se possível no fundo de uma gaveta inventada em nosso íntimo.

 

Mentimos sobre nós e criamos um teatro ( na forma negativa)  para que consigamos respirar e tentar mudar o retrato, o mais revelador. Todavia, haverá um tempo que "(...) a festa acabou/ a luz apagou/ o povo sumiu/ a noite esfriou/ e agora, José?/ e agora, você? (...)" ( Drummond). O que compor agora? O que fazer com os danos? São indagações que precisam ganhar traços, que devem fomentar a sua individualidade.

 

A existência é complexa, nos arrebenta, emenda e enobrece, embora, como sentencia Guimarães Rosa, viver é perigoso, diria, também, audacioso, sem previsões ou linearidades. A gente vive mesmo em corda bamba, esperando a próxima luta, as armadilhas, as decepções, as dores que corrompem, legitimamente, nossa alma. E cabe a nós a forma que encararemos esses desafios, as lanças que nos farão sangrar por um tempo curto ou por prazo indeterminado.

 

A gente apodrece por dentro, agoniza pelos poros, liquidifica-se pelas lágrimas e adoece por palavras. Isso é necessário para rever a vida, o jeito, o outro. A diferença é que não podemos transformar a dor em morte suprema, em agonia eterna, ela deve ser instrumento de transformação, por isso que os artistas conseguem sobreviver. A angústia e os danos viram objeto artístico, viram linguagem que dialoga a dor com a alegria, os percalços com a beleza de ser sujeito.

 

As decepções que nos visitam diariamente é a certeza que sou humana, uma não invenção da vida real, que o outro nem sempre deseja o melhor para mim e que o mundo não dá trégua, nem permite  respirar com delicadeza. Temos que ser "duros" como o José de Drummond, pois não haverá, por períodos, mar, porta e Minas. A resistência e a resiliência são a causa de continuarmos tentando e não sermos consumidos, devastados por tempestades e furacões que virão em nossas casas e almas. " Você marcha, José! / José, para onde?" , agora, construa sua resposta.


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