Intolerância - Jornal Fato
Colunistas

Intolerância


"Todas as coisas me são lícitas". Trocando em miúdos, posso fazer o que quiser da minha vida, inclusive professar a fé que escolher. E isso deveria ser natural, sem dor, traumas ou patrulhas ideológicas e religiosas. Deveria valer para todos.

 

O versículo completo diz "Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me conveem. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas" (1° Coríntios 6-12).

 

É por isso que diante da intolerância religiosa no Brasil, quando terreiros de religiões de matriz afro são apedrejados e destruídos, me assustam iniciativas como a que o Supremo Tribunal Federal tomou recentemente.

 

A decisão autoriza as aulas de religião em escolas públicas sob a ótica de um único credo, diante da Ação Direta de Inconstitucionalidade da Procuradoria Geral da República, que pedia aulas de religião com uma visão plural. Em tempos de retrocesso, claro que a visão plural foi rejeitada.

 

Foram seis votos a favor e cinco contra para que o ensino religioso tenha caráter confessional, seguindo os ensinamentos de uma religião específica. Como ficam os que não se enquadrarem nos ensinamentos dessa religião? Serão apedrejados e queimados na fogueira da nova inquisição?

 

Esse caráter confessional me assusta porque o Cristo que escolhi servir deve ser opção também para outras pessoas. Não uma imposição feita pelos religiosos, parlamentares e juízes que semeam a cultura do ódio.

 

Então que as pessoas tenham o direito sagrado do livre arbítrio. Exerço o meu todos os dias. Posso usar drogas, me prostituir, abortar e adotar outras práticas condenáveis aos olhos de uma parte da sociedade. Não o faço por uma questão de escolha. Talvez porque tenha recebido desde sempre todas as oportunidades que me afastaram dessas práticas. Certamente pela fé que professo.

 

Mas o que é decisão pessoal não pode servir de modelo e exemplo, a não ser que as pessoas queiram seguí-lo por achar que vale a pena. Voluntariamente e sem imposições. E é diante do livre arbítrio que fico assustada com a intolerância que domina o Brasil (e o mundo).

 

Intolerância que leva pessoas a cometerem crimes de ódio contra mulheres negras (e brancas), LGBT´s, candomblecistas e umbandistas. Vivemos no país que mais mata LGBT`s no mundo. Os números são alarmantes também quando se trata do feminicídio. Mais de 106 mil mulheres foram mortas nos últimos 30 anos apenas por questão de gênero, segundo o Mapa da Violência de 2015. Em dez anos, entre 2003 e 2013, houve aumento de 54% no registro de mortes.

 

Então não dá para fazer de conta que nada está acontecendo, sob o risco de vermos índios, negros, pobres, mulheres, LGBT´s e outros excluídos continuarem sendo mortos, sob o silêncio sepulcral de uma sociedade patriarcal, machista e hipócrita.

 

Que as religiões de matriz afro tenham liberdade para prestar os seus cultos. Que os católicos, budistas, muçulmanos e outros fiéis possam fazer o mesmo. Que os cristãos evangélicos como eu se preocupem em refletir a luz de Cristo e ser sal da terra e luz do mundo. Porque quem reflete a luz divina não tem tempo para a intolerância e o desrespeito.

 

Cristão genuíno testemunha e cumpre o mandamento bíblico de amar ao próximo como a si mesmo. E sabe o Estado laico? Saiu pela mesma porta que entrou a intolerância religiosa. Que Deus nos proteja dos fundamentalistas!


Comentários