Imersão - Jornal Fato
Colunistas

Imersão


De bem com o silêncio quase absoluto e comigo mesma, recebo no rosto a brisa fresca do verão que se despede. A sensação é de liberdade e contentamento, mesmo diante do discreto, trivial e simples.

 

O burburinho, pelo menos por enquanto, está em suspenso. Mas a momentânea harmonia é quebrada por palavras rápidas, ao longe, apenas perceptíveis graças ao sossego do local. Curiosa, busco a origem e percebo um homem relativamente distante caminhando no morro vizinho de um lado para o outro, com as mãos levantadas, aparentemente segurando uma bíblia.
Focada no ir e vir, imagino que seja uma daquelas pessoas que sobem ao monte para orar. Talvez pela cidade, pelas igrejas, ou por alguma causa impossível, de cunho pessoal, social ou espiritual. Com o olhar atento, lembro, com absoluta convicção, que creio no poder da oração.

 

E mais, que acho admirável aqueles que exercitam sua fé em público e na vida privada, sem hipocrisia, máscaras, ou segundas intenções. Que afinam discurso e prática, cuja palavra é sim ou não, sem meias palavras ou subterfúgios.

 

Sem me dar conta, minha atenção se volta para os amigos que chegam para a aula e só mais tarde sinto falta daquele homem e do eco de suas palavras ao vento e ao céu. Mas, mesmo diante do silêncio quebrado por tantas presenças agitadas, as perguntas são muitas. Teria passado a noite toda ali ou é fiel que ora nas madrugadas? Há quanto tempo adotou essa prática? É cristão que ora e ao mesmo tempo discrimina e exclui as pessoas, ou é daqueles que ama ao próximo como a si mesmo? Por enquanto, ou talvez para sempre, esses questionamentos ficarão sem respostas.

 

O foco muda com o início da aula. O desafio agora é cumprir a rotina de exercícios determinada pelo professor, num ritmo longe do ideal, mas com uma persistência perseguida a cada braçada. Sem a cadência ágil e harmônica, embora veloz, percebida nas muitas competições de natação. Mas mesmo assim prazerosa, e claro, cansativa para uma sedentária.

 

Há algazarra organizada e alegria naquelas águas. Os problemas mais uma vez estão em suspenso por cerca de uma hora. O momento de ouvir silêncios é outro. Interessa, por agora, a convivência com pessoas de idades e histórias variadas, com objetivos iguais ou diferentes, que perseguem a forma física ideal, a aprovação num concurso público ou simplesmente a qualidade de vida tão buscada em tempos modernos de tecnologias que paralisam movimentos que realmente valham a pena.

 

A cada fim de aula, a certeza do dever prazeirosamente cumprido. Sem o estresse de acompanhar os mais ágeis e jovens do que eu (todos, diga-se de passagem). Aquele tempo é meu, talvez como nunca tenha sido nos últimos anos. Estou certa de uma coisa. Onde estiver, inclusive imersa no revigorante balanço das águas, quero a paz e o silêncio que alimentam a alma.

 

 


Comentários