Herança - Jornal Fato
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Herança


Minha filha caçula, ainda pequeninha, me ajudava numa faxina. Lá pelas tantas achou uma carteira de couro. Encantada com a peça, me perguntou de quem era.

 

Minha, respondi. "Você ainda usa?" Diante da resposta negativa, baixou o tom de voz, como que numa confidência, e me perguntou, muito inocentemente, se quando eu morresse ela poderia ficar com ela.

 

Na época ri muito e quando conto isso para ela hoje se esconjura (mais uma vez, como diria minha avó). E essa lembrança me provocou algumas reflexões sobre o que quero deixar de herança para as minhas filhas.

 

E passei a enumerar, mentalmente, algumas coisas. O amor pelo próximo, a todo e em qualquer tempo. Não dá para abrir mão dele em qualquer relação.

 

Considero que o mal que alguém possa me desejar não pode interferir, de maneira alguma, na pessoa que desejo ser. Então bola pra frente.

 

Outra coisa é o respeito. Mesmo quando a recíproca não é verdadeira. É mais uma coisa que não dá para abrir mão, inclusive em período eleitoral, quando as paixões irracionais estão à flor da pele. Então minha parte será sempre feita.

 

A solidariedade também não pode faltar no inventário da vida. Quem não tem a capacidade de se preocupar com quem o rodeia torna o mundo pior. E o meu esforço será sempre no sentido contrário. Somar, fazer diferença, mesmo que seja considerada uma idiota por isso. Já aconteceu.

 

Deixaria também a ética, alertando-as de que há um alto preço a se pagar, em alguns casos, quando esse é o caminho escolhido.  Para muitos, o que vale é ser esperto, sair na frente, ganhar muito e passar por cima de quem for necessário para alcançar o que se pretende.

 

O próximo item seria a justiça. Com uma recomendação. Nenhuma conquista vale a pena, se para alcança-la for necessário desvalorizar quem tem méritos. Conspirar contra alguém, difamar, esquecer histórias a partir de interesses pessoais, colocados sempre acima dos coletivos.

 

Sem sombra de dúvidas, diria com muita ênfase: "não percam a fé". Às vezes tudo sugere que ela não vale a pena, que é melhor chutar o pau da barraca. Mas se mantenham firmes. Sem abrir mão de nenhum princípio ou valor. Respirem fundo e sigam adiante.

 

A felicidade também estaria nesse inventário tão inusitado. Não abram mão de serem felizes. Sempre agregando pessoas. Sempre somando. Mas se para ser feliz for necessário momentos de introspecção, deem-se esse direito.

 

Costumam dizer que esses valores precisam se adequar às situações. Seriam flexíveis e adaptáveis. Ora serem usados, ora desprezados. Para mim estarão sempre na pauta do dia.

 

São escolhas que fiz ao longo da vida. Elas me são essenciais.

 

Quanto ao que as minhas filhas farão com essa herança, espero que o melhor proveito. Foram ensinadas ao longo da vida que todas as escolhas trazem consequências. Mas que precisam ser fortes e corajosas para defender o que acreditam. Finalmente, meu desejo é que se agigantem diante da vida. Que vivam intensamente.

 

 


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