Eu sou aquele que disse: ninguém vive por mim - Jornal Fato
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Eu sou aquele que disse: ninguém vive por mim


"Fui procurar viver além de mim" Sérgio Sampaio

 

Tantos recados esquecidos em gaveta, poesia com poeira, livros em decomposição e gente se desmanchando em náuseas e no mundo comum. Os troféus por uma vida tão óbvia e improvocante são distribuídos sem senhas, a preço de mercado e, por vezes, tão popular. Cansada de correr paralelo ou na direção sinalizada como não.

 

Ando desnuda de discurso que entorna, gente que descostura outros cenários e invade meus preceitos e me devolve um pouco de caos, da desordem necessária para que sejamos uma nova edição. Extasiada por tantas mortes mesmo que a vivência mantenha o contrato, mesmo que o cotidiano continue insistindo. Vertentes sampaianas me assombram e denunciam que não há certezas maiores que a desconstrução.

 

Esta pós-modernidade me toma e alimenta minhas insistências em querer muito mais que um pouco, muito mais que um corte. Veias sobressaltadas, coração em sinestesia, tremuras existenciais anunciam que há muito mais. Versos poetizam que palavras subvertem, músicas cadenciam que tons e melodias provocam, prosas me tomam e escorregam para o outro.

 

Nada de vida impostora, céu desbotado, gente de graça por aí. Chega de amores mudos e de vozes em coro, chega de poesia posta para dentro, chega de homens esgarçados e alegrias guardadas em caixa. Gritemos amores aos berros, pintemos outros mares e outros céus, tenhamos a poesia na calçada e na fala abusada, sejamos os menos sórdidos e mascarados mortais.

 

É preciso fugir do espírito de manada, dos vieses impostas nas vozes, dos mofos verdes depositados nos fraques e nos vestidos de seda, da burocracia das verdades, dos cumprimentos para exposição em jornal, do discurso sorrateiro que promulga o que me condena ou me liberta. Quero dessacralizar o que nem posso dizer, os muros inventados para que eu não pule ou quebre. Quero retirar meus abutres e liquidificar minhas canalhices.

 

Desejo o não sentenciado e preciso. Não quero afundar minhas amarras e, do oceano profundo, mantê-las entre ouriços e a danada covardia. Viver é querer o avesso, o anteposto e porvir. Nada de almas penosas ou sorrisos amarelos e envelhecidos, nada de ausências anoitecidas e conteúdos prováveis.

 

Quero a arte reinventada na praça e nas bocas dos artistas. E, de tanto dizer, haja o que pensar. Quero a música colorida nas roupas de inverno, nos homens que dançam sem receio do mundo. Desejo as verdades fora das prateleiras e ditas no povo, os dizeres sem encardimentos e as memórias reeditadas. Eu quero e desejo a não-morte da vida imensurável.

 

(A arte não morre)


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