Essência - Jornal Fato
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Essência


Hoje quero falar da essência humana, sem conhecimento nem competência para abordar as questões psicológicas e filosóficas. Simplesmente com o olhar pessoal e a certeza de que a vida precisa fazer sentido e valer a pena. 

 

E quando penso nisso, lembro com muitas saudades do meu irmão. Da essência generosa que ainda está   entranhada na memória e no coração, a partir dos pequenos gestos de uma vida toda.

 

Um deles, o gosto em presentear. Sem que me dê conta, estou sempre com algo que me foi dado por ele. Inclusive o casal de calopsitas da minha filha e que tem tido filhotinhos com frequência.

 

E um comentário dessa filha me fez pensar nos exemplos que queremos deixar. "Mãe, as pessoas falam que a gente deve vender os filhotinhos porque temos despesas, mas o Tio Marcos nunca vendeu calopsitas. Ele sempre dava de presente".

 

Pensei nisso e realmente percebi que ele não economizava afeto, abraço de urso, preocupação com o próximo. E que a essência de tudo que ele foi, fez, bem como suas escolhas, serão eternas, mesmo com a dolorida ausência física.

 

Lembro então de palavras que faço questão de repetir, não sei exatamente há quanto tempo: "o que os outros nos fazem não podem mudar nossa essência".  Nesse momento, tento sair da teoria à prática e tenho feito esforços para ser forte, coerente e serena em momento de luto e dor.

 

Hoje, mais do que nunca, quero vencer as tristezas e dificuldades com a preocupação de manter a sanidade física, mental e emocional. Porque se formos agregar todas as dores próprias e alheias, chegaremos ao fim da existência (mais uma vez sem explicações filosóficas) disformes e com sequelas irreversíveis. Mas como não se importar com o outro?

 

E aí recordo, sem saber da pertinência da lembrança, de nosso poeta Newton Braga. "Meus irmãos sem nome, meus irmãos de vida obscura e desconhecida, tendes felicidades que eu não tenho: tendes um Deus que vos faz crer nele, tendes uma alma sem ambições desvairadas, tendes esperanças? tendes ilusões?

 

E só o que eu tenho, e que vós não tendes, - que consolo triste! - é esta sensibilidade dolorosa que se comove com misérias que às vezes mesmo os que as carregam desconhecem, esta sensibilidade que é uma antena delicadíssima, captando pedaços de todas as dores do mundo, e que me fará morrer de dores que não são minhas".

 

Então, se carregamos misérias que às vezes desconhecemos, e não temos sensibilidade como antena delicadíssima, as dores não serão captadas e seremos indiferentes. Jamais sofreremos ou morreremos pelo que não consideramos nosso. 

 

Precisamos de empatia e delicadeza, mesmo que contundente (é contraditória a delicadeza contundente?), como o poema Fraternidade, do nosso Newton Braga.

 

E já que o momento é de citações, vamos a mais uma, da Música Maria, Maria, de Milton Nascimento, um dos meus cantores/compositores prediletos. 

 

"Mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre. Quem traz no corpo a marca, Maria, Maria, mistura a dor e a alegria.

 

Mas é preciso ter manhã, é preciso ter graça, é preciso ter sonho sempre. Quem traz na pele essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida". 

 

Então, é ter fé na vida, sem perder a essência jamais.

 

 


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