Domingo  - Jornal Fato
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Domingo 


Tinha o corpo coberto por pelos na medida certa. A voz meio grossa, meio rouca, meio baixa e inteira sedutora. Um cheiro bom que não era nada mais além do cheiro dele mesmo. Sorria baixo e mais com os olhos do que com os dentes. Balançava a cabeça devagar enquanto falava com o amigo no corredor, e eu, como sempre, diminuí o passo para ter mais tempo de respirar o mesmo ar que ele.

 

As mãos, que pareciam pesadas, eram na verdade muito leves. E ele tocou no meu ombro esquerdo como quem toca em borboletas. Depois me beijou a testa e desejou bom dia. O dia certamente seria bom. Era ótimo começar o dia ciente da presença daquele cara que, estranhamente, me causava frios adolescentes na barriga.

 

Eu, já vinda de grandes lutas, não esperava dele, ainda tão fresco dos ares bons da juventude, mais do que aqueles gestos de carinho. Nem no meu maior anseio achei que aconteceriam beijos demorados e abraços mal intencionado. Meu desejo freado pelo que parecia óbvio: eu e ele éramos água e óleo que não se juntariam nem se emulsionados fossem.

 

Naquele dia meu horóscopo, que prometia problemas, estava errado. No almoço de todos as pernas dele tocaram as minhas e imaginei que fosse com propósito e de propósito. E era. O esbarrão na porta do banheiro teve fim na manhã do dia seguinte.

 

Depois foram dias e noites de amor, brigas, conversas, música, textos, declarações, abraços sem fim, insônias e sonos profundos. Vinhos, velas, candelabros, lingeries, incensos, longa-metragens. Ciúme, cansaço, alegria, descobertas, câmeras e ação.

 

Não tinha como evitar. Vencemos as forças adversas. Era para ser. Destino. Vamos nos casar domingo.

 

 


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