Despertar - Jornal Fato
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Despertar


Terminei com aquele namorado que te contei na última vez. Ele não é muito ajustado não. Pelo contrário. Acho até que precisa de tratamento. Consegue, sozinho, ser mais louco que eu e você juntos. Mas, na verdade, nem foi bem isso que nos separou. Eu andei foi sentindo falta de algumas coisas que você fazia. Queria que ele me surpreendesse com um tapa na bunda quando chegasse do trabalho; que me agarrasse enquanto eu estivesse preparando o jantar; que observasse atentamente meus seios através do decote e contasse em segredo o quanto estava ansioso por eles. Essas coisas que nos uniu por tanto tempo.

 

Investi em camisolas, em umas bolinhas mágicas que descobri em um livro, em um perfume que prometia ter poderes especiais, velas, incensos e até despachos em encruzilhadas. Tudo que nunca precisei usar com você. Mas nada trouxe à tona a libido daquele homem. Assim, eu esperava ele dormir e entregava-me ao prazer solitário. Embora fossem orgasmos que faziam meu corpo tremer, nunca eram satisfatórios. Queria mais que minhas mãos. Minha necessidade era de olhos de desejo e abraços de afeto.

 

Por fim, pedi que ele fosse embora. E nas redes sociais conheci João. O homem das palavras certeiras, das músicas cafonas que eu adoro, dos elogios inusitados. João, o caminhoneiro que estava a caminho, ansioso e ansiado. Que em vez de hesitar, insistiu. Que mandava mensagens cronometrando os segundos para o encontro marcado no posto de gasolina em um ponto qualquer da BR.

 

Acordei de madrugada e saí como que vestida para uma festa. Na lanchonete do posto pedi um café que chegou no copo de vidro marcado por um batom que não era o meu, mas isso não tinha importância. Ele já se aproximava me apertando a cintura com volúpia. Agradeceu por eu estar ali, por ser tão linda, por cheirar bem, porque eu sorria. E, ao mesmo tempo em que dizia todas essas coisas, me conduzia ao caminhão vermelho e imponente estacionado ao meio de tantos outros.

 

Ali, onde era mais confortável do que eu esperava, ele percorreu cada centímetro da minha pele, ora com fúria, ora com delicadeza. A manhã inteira ficamos assim: descobrindo-nos. Do lado de fora imagino que caminhões chegavam e outros partiam, prostitutas ofereciam-se, travestis exigiam o dinheiro combinado, homens contavam piadas, notas frias circulavam e negócios eram fechados. Alheios a tudo isso, foi o cheiro de comida que nos lembrou que era hora do almoço. Ele precisava ir.

 

Despedimo-nos e prometemo-nos um próximo encontro, que nenhum dos dois tem a certeza se vai acontecer. Mas não importa. Não dessa vez. Fui para casa com o corpo marcado, cansado e satisfeito. Tudo o que eu mais precisava era desse despertar glorioso.


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