Customizando corações - Jornal Fato
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Customizando corações


"Meus" escritores sempre me causam impacto. Quando leio Drummond, Adélia, Quintana, Luft, Pessoa, Galeano e tantos outros não consigo contemplar as coisas da mesma maneira. Tudo ganha contornos novos e perspectivas avassaladoras. Como estes autores, sei que provocamos consequências na vida alheia, dando tons de alegria, sensibilidade e, mesmo sem propósito, decepções também.

 

A vida é antitética sim. Como todos nós somos. E responsáveis por nascer nos seres viventes emoções, considerações e reflexões (desculpem as rimas). Construímo-nos sob os vieses do social e do afetivo e é nesta direção que plantamos flores, desnorteamos espaços e ganhamos detalhes. E não há riqueza mais densa que esta; estar sob a refacção sempre, aprendendo com aquele que inunda seu ser e sua vida cotidianamente.

 

Desbravar a vida com a ajuda do próximo é realmente fenomenal. Sim. É este o adjetivo. Somos seres de bordados, de customizações e de costura, como se tecendo uma gigantesca colcha que, a cada transfiguração humana, ganha novos rendados, pontos e tamanhos. E, como sentencia Luft, estamos nos criando. E, acrescento, estamos rascunhando/escrevendo as vivências por meio das interações, daquele toque de mão escapado, do sorriso escorregado do rosto e que nos provoca, do abraço enriquecido, surgido sem esperar, do beijo macio feito veludo, do toque do telefone querendo saber, da fala que perambula entre as desavenças e um amor ímpar.

 

Somos identidades para muitos sujeitos. Servimos de conquista e inaugurações para as gentes que nos dimensionam, abalam e ampliam. São nestas vertentes que acrescentamos a nós emoções e discursos e construímos os mundos que residem nas nossas esferas internas.

 

Estamos a todo tempo invadindo o templo do outro e lá depositando flores e caixas. E, simultaneamente, trazendo raízes para nossa terra. É uma troca de corpo e alma; de palavras e músicas. O que temos deixados nos outros? Será que temos percebido a mundividência daquele que esbarra em nós? Temos ecoado no outro o melhor que podemos oferecer?

 

Tantos embates, tantas tolices construídos sob discórdias e desapropriações. Temos estabelecidos latifúndios de descrenças e barbáries. O outro, sem dúvida, deseja nos encontrar e vigorar nosso cenário. Precisamos trazer mais jardins e menos cercas, segregar os desacordos e reconquistar nossa importância nas convivências. Assim como os grandes pensadores nos desconstroem e nos livram das visões míopes, somos protagonistas de outros sorrisos e corações.      

 

Simone Lacerda é professora.

cheirosensaiosepoesia.blogspot.com.br


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