Como sobrevivi? - Jornal Fato
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Como sobrevivi?


De vez em quando ouço um saudosista falando da saudade do passado e insistindo que "os bons tempos foram aqueles ". Bom prá que? Tudo era difícil, lembro-me de que para comunicar-me com meus pais, eu estando longe, precisava ir a um local com cabines telefônicas e pedir linha à telefonista, o que durava horas ou até dias. De vez em quando olho amorosamente para meu celular e penso aliviada, ufa vida! E o calor, como suportávamos o calor de Cachoeiro sem ventilador ou ar refrigerado? E o abençoado computador, que me permite escrever, corrigir - o editor de textos muitas vezes já o faz automaticamente, encaminhar para impressão e ao mesmo tempo para as redações. Fico imaginando a trabalheira de Rubem Braga, escrevendo na sua máquina e carregando seus textos para os jornais. Mas toda essa introdução é para falar do invento do século, pelo menos para mim - o fio dental.

 

Possuo dentes com falhas em que a comida se acumula em todas, sou daquelas que tirava fiapo das bainhas das roupas, andava com retrós de linha na bolsa, pois a de carretel era fraca. Nunca me atrevi a comer queijo, couve, chouriço e sorrir para as pessoas. Num churrasco sempre tenho que procurar um local reservado, onde possa dar uma geral nos dentes, pois se tem coisa que me aporrinha é algum elemento estranho entre eles. Tenho fio dental na minha casa, no trabalho, nas bolsas, não me arrisco. E não compactuo com os rigores da elegância, que me obrigam a passar o fio dental às escondidas, como se estivesse cometendo um crime. Necessariamente não o faço em público, mas dentro de um espaço que só eu ocupo, considero até natural.

 

E foi no meu carro, com insulfilm, que parada num sinal, passava meu fio dental quando um cidadão bateu no vidro. Abri e ele me pediu dinheiro. Aleguei que não tinha e ele foi indelicado, porém espirituoso: - Quem não tem dinheiro não come carne, e a senhora comeu carne! Saí achando graça e contei essa história para várias pessoas. Todos riram, exceto um desprovido de senso de humor, que criticou-me por usar, em qualquer lugar, o que considero a invenção do século. Por essas e outras que se limita a comunicação entre as pessoas.

 


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