Amor, meu grande amor. Chegue na hora marcada. Ou chegue antes. Não venha depois porque eu posso não estar aqui, porque eu posso estar cansada ou envolvida com um lindo livro ou uma nova série. Venha antes e, se estiver sem as chaves, arrombe a porta. Não se esqueça de abrir as janelas para arejar a casa. Limpe os cinzeiros com detergente, escolha um vinho californiano e verifique se as roupas de cama estão limpas. Grande amor, depois é um tempo longe que eu posso não saber esperar. Nessa raridade de vida, mais tarde ou outro dia é coisa que talvez nem chegue. Ponha os pés aqui antes da hora e faça meu prato preferido. Alimente os animais e tire aquela camada de poeira dos móveis da varanda. Acenda velas. Os castiçais estão no armário do corredor. Planeje algo que me surpreenda, desde que a surpresa não seja o seu atraso. Não se atrase hoje, nem no encontro e muito menos na vida. Eu não garanto que minha sede de caminhar me deixe esperar. Antes, meu amor, bem antes. Antes que eu pense em chegar já esteja me esperando. Compre flores que não tenham cheiro de morte e no banheiro deixe o sabonete que eu gosto. Providencie sorvete de pistache para a sobremesa e licor de jabuticaba para fechar a noite. Chegue logo enquanto ainda é dia, porque no escuro da noite posso já estar perdida e vamos nos desencontrar. Compre frutas da estação e deixe um disco tocando na vitrola de madeira que eu trouxe da casa do meu pai. Encha as garrafas com água e aromatize com hortelã. Ande ligeiro já que o tempo se vai e logo já é ano que vem. O próximo século está chegando, se antes não vier o fim do mundo. Mas se perder a hora, se não conseguir chegar primeiro, vamos chegar juntos. Perca a classe, a compostura ou o bom humor, mas o tempo certo jamais. Diga que me ama agora, porque quando eu fechar os olhos posso não ouvir direito.