Bobos úteis - Jornal Fato
Colunistas

Bobos úteis


"Você é uma aposta pessoal minha. Eu te trouxe porque acredito no seu potencial".

 

A conversa, entreouvida nos corredores da vida, acendeu o meu sinal de alerta. Aquele que diz que não podemos, nem devemos, acreditar em tudo que ouvimos, inclusive em elogios fáceis.

 

Vaidosos que somos, podemos ter nosso senso crítico embaçado por bajuladores, ou até por aqueles que querem mesmo nos dar corda para que nos enforquemos, que insistem em nos fazer acreditar em virtudes e competências que não temos. Que lustram tanto o nosso ego ao ponto de nos acharmos "super tudo".

 

Os mesmos que estarão por perto, para nos dar um empurrãozinho precipício abaixo, quando a competência e brilhantismo teóricos destoarem da prática, expondo que o rei está nu.

 

Por isso, tento me resguardar para não ser boba útil, daquelas crédulas em excesso, que dão ressonância a assuntos que são de interesse único e exclusivo de terceiros pouco recomendáveis.

 

Dependendo de quem me elogia, quase sempre sinto extremo desconforto, não apenas por causa da minha timidez. É principalmente por causa do meu "desconfiômetro". Como diriam meus amigos da infância em Brasília, acho que estão "mangando" de mim. 

 

E talvez estejam mesmo. Instinto de sobrevivência. Ou talvez a lembrança das palavras da minha vó, que alertava sempre: "cuidado, quando a esmola é demais o santo desconfia".

 

Eu, que não tenho tempo nem intenção de representar os papéis que querem me impor, sigo vida afora apaixonada pelo que faço, buscando sempre me atualizar, mas consciente de que o desafio é constante, porque o mundo gira, e numa velocidade que muitas vezes é difícil acompanhar.

 

Tenho a experiência a meu favor, mas mantenho olhos atentos. E são eles que me levam a enxergar alguns passos adiante, sem que isso represente nenhum exercício de futurologia. É o óbvio público e notório, mas que passa despercebido aos medíocres empodeirados por elogios fáceis. Só é óbvio para quem escolheu acreditar na razão, que a emoção é enganosa.

 

Não há elogio ou afago que tire de mim a clareza de que o meu trabalho deve aparecer. Eu não. Ele é a retaguarda de ações importantes que precisam ser mostradas, tornadas públicas e valorizadas a partir de palavras cuidadosamente escolhidas.

 

E éssa é a regra da vida. Ser cuidadosa ao falar. Mas acima de tudo ser seletiva ao ouvir, porque em tempo de caos, não cabe mais a ingenuidade de acreditar em tudo que dizem. Mais uma vez recorrendo aos ditados de minha avó. "Calar é prata, ouvir é ouro".

 

E recorrendo também a um político conhecido de todos nós que gostava de citar Mateus 10:16, devemos ser prudentes como as serpentes e símplices como as pombas. 

 

Então, na medida do possível, me recuso a ser boba útil, não sendo capaz de apontar quantas vezes já o fui.


Comentários