Ausente pós-moderno - Jornal Fato
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Ausente pós-moderno


 

Naquela segunda-feira, como era rotina, ele subiu as escadas para adentrar o local tão somente, antes, imaginado. Ali, gostaria de ouvir os melhores verbos e as expressões mais doces. Fazia questão de se apresentar o mais lindo possível para o encontro tão detalhado minutos antes.

 

Sem pestanejar, trocou de perfume, mordeu frutas roxas e vermelhas, desamassou sua camisa e verificou a carteira. Não poderia se desenquadrar do cenário, tão bem colocado e com mobília recém comprada.

 

Sentou em um sofá com aspecto acinzentado e recriou a chegada da pessoa para habitar o espaço, tão bem construído em seus recentes desejos. Tudo deveria harmonizar-se para que houvesse, certamente, uma chegada.

 

Ao ouvir cadência de passos, revigorou, em si mesmo, as sensações que mais trariam para si um gosto de felicidade. Tendenciou não reagir a sua chegada, mas as mãos suadas desvendavam tal proposição. Era quem esperava, por mais que acreditasse nas tantas mentiras, mas, que para seu corpo de homem, representasse um querer por certo ordinário e com riscos de contentamento.

 

Percebeu no corpo, tão definitivamente feminino, um gosto amargo de quem não estava confortável no tal encontro. Trocaram restos de palavras e, sem explicar, disseram coisas da estação; falas do cotidiano inventado por ambos.

 

Ele estava gritando por dentro, é certo. Nas quinas da casa, não se sentia a presença dos dois. Eram solitários que desenhavam companhias, eram seres que não concretizaram o olhar. Depois, de várias tentativas, as vontades foram dissipadas.

 

Ele desceu, com maestria, as escadas que, por um tempo, quis pisar, mas, que, nesta exata hora, tornaram-se percalços em sua garantia de um amor tranquilo. Importou-se menos consigo e com possibilidades de um sorriso. Era um homem perdido nas tardes, nas inconstâncias de uma invenção temporal pós-moderna, nas ausências que determinaram acontecer.

 

Simone Lacerda é professora.

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