Até quando?                                       - Jornal Fato
Colunistas

Até quando?                                      


Assusta-me as estatísticas a respeito das violações e desrespeito as mulheres - a maioria delas adultas, trabalhadoras, casadas, universitárias ou de elevado padrão social. Dá para imaginar com as crianças e adolescentes? E com as mulheres de periferia, sem estudo e baixa auto estima? A imprensa divulga o abuso sexual de um técnico de futebol, durante anos, e com meninos, que em geral são criados com maiores chances de serem espertos, pelo própria cultura familiar e social.

 

E as meninas? O que acontece com as princesinhas do papai e do vovô, rodeadas de barbies, mimos e carinho? Não podem brincar nos plays dos prédios, nas ruas - a violência assusta e com razão, e elas crescem dóceis e meigas e indefesas pelo excesso de proteção. Não falo de exceções, o que observo é fato recorrente, da minha geração às atuais. Os pais continuam criando os meninos para serem espertos e para lutarem por seus direitos, e as meninas para serem boazinhas e lindinhas. Eles no judô e elas no balé. E é no balé, nas escolas, nas praças, nas igrejas, nas próprias casas ou das amigas, que as meninas sofrem assédio e os pais nunca tomam conhecimento, porque a cultura imposta as meninas é a da boca fechada, da vergonha, e do:  o que eu fiz? Nunca do que fizeram comigo. Qual a pergunta, no imaginário das pessoas, diante de uma situação de assédio ou estupro? - Como ela estava vestida?

 

Fui uma criança e adolescente vítima de assédio por inúmeras vezes e com coragem para relatar só meio século depois. Eis os fatos: Brincava no quintal de casa quando um vizinho, bem maior, me segurou e tentou arriar as minhas calcinhas, tive que me desvencilhar e sair correndo. Onde morávamos havia mais acima uma família em que um adulto, grande, com um aspecto assustador, sentava na porta da casa e ficava se masturbando com os órgãos sexuais expostos, e da nossa casa, com o muro baixo, não tinha como não ver; além do dentista que esbarrava nos peitos das meninas; o fotógrafo que fotografava só garotas a fim de assediá-las; o padre que investia no grupo de garotas da Cruzadinha e que felizmente abandonou a igreja; o pai da minha amiga que se ofereceu para tirar um cisco do meu olho; o professor benemérito do Liceu que entregava as provas passando as mãos nas nossas pernas. A maioria dos assediadores era gente poderosa e a criança ou adolescente estava inventando coisas. Ninguém nos protegia e a nossa proteção era a fuga, a dissimulação e a vergonha - e o constrangimento dura até hoje. E a história se repete, e os pais continuam cegos. Até quando?


Comentários