Antropofagia Virtual - Jornal Fato
Colunistas

Antropofagia Virtual


Se o pai da Filosofia moderna René Descartes vivesse hoje, sua máxima "penso, logo existo" provavelmente seria substituída por "posto, logo existo". Li um texto de Martha Medeiros com essa abordagem.

 

Ela dizia que as pessoas estão preocupadas demais em existir para os outros, que não percebem a diferença entre existir e viver. É por isso que às vezes me pego na contramão da exposição excessiva proporcionada pelas postagens nas redes sociais.

 

E fujo da aparente popularidade que poderia alcançar. Talvez isso seja um erro, mas é preciso fazer escolhas, e eu faço as minhas, inclusive nesse caso específico. Estive em Brasília esse ano, mas não postei foto no aeroporto, no avião ou nos lugares que visitei.

 

Voluntariamente escolhi a discrição, porque não acho que isso agregue valor, embora entenda, e acredite, que a propaganda é a alma do negócio. Fiz outras coisas interessantes. Mas foram para mim, e não para consumo externo.

 

Há algumas exceções que me permito, sempre envolvendo pássaros, amigos e paisagens que me encantam. Decidi que prefiro estar cercada de poucos, e verdadeiros amigos, do que ser acompanhada por milhares de seguidores.

 

Há um preço a se pagar por essa decisão, claro. Não sou popular e nem faço sucesso por meus textos e postagens, e o engajamento ao que posto às vezes é mínimo. Mas não posso perder o sono por isso. Nem tudo tem preço, mas tudo tem consequência. E tenho optado pelo conforto que a invisibilidade nas redes pode proporcionar. Sabendo sempre que quem não é visto não é lembrado.

 

Mas confesso que quero fugir da saturação social que leva muitos profissionais e estudantes a perderem produtividade por causa do tempo consumido no Twiter, Instagram e Facebook. Chegar ao luxo de decidir pelas atividades reais, ao vivo e em cores e pela convivência ao ar livre. Nada, ou pouco, apenas o necessário, de relacionamentos virtuais.

 

Loucura? Alienação? Aniquilamento profissional diante de um mercado competitivo que muitas vezes prioriza jovens em detrimento da experiência dos "velhos"? Ainda não tenho essa resposta, mas estou caminhando, a cada dia, para consolidar a convivência que me afaste da antropofagia virtual, onde prolifera, como praga, a cultura do ódio e do desrespeito aos que pensam diferente ou ousam expor suas opiniões.

 

Se as redes sociais surgiram para aproximar, ainda cumprem esse papel de ferramenta de relaciomentos, mesmo que à distância. Quantos "desaparecidos" foram localizados por causa da convivência virtual? Como diria uma tia de quase 90 anos: "quer saber? Olha lá no fofoqueiro que ele te conta tudo".

 

Para o bem e para o mal, as relações virtuais estão aí para serem bem administradas, sob o risco de pessoas de todas as idades existirem apenas de forma virtual, desconetadas do mundo real, numa falsa socialização que só leva ao isolamento e à solidão.

 

Recorro às regras de Descartes para se chegar ao conhecimento para finalizar: nada é verdadeiro até ser conhecido como tal, os problemas precisam ser analisados e resolvidos sistematicamente, as considerações devem partir do mais simples para o mais complexo e o processo deve ser revisto do começo ao fim, para que nada importante seja omitido.

 

Repetindo, grosso modo, as palavras de Martha Medeiros, é preferível viver, mesmo que discretamente, do que existir de mentirinha. Porque há muita gente por aí que não percebe a diferença entre existir e viver. E definitivamente não quero estar entre elas. Chega de desimportâncias.

 


Comentários