Ano Novo - Jornal Fato
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Ano Novo


(Capítulo 21 da saga de Ana)

 

Amanhã é véspera de ano novo, e estou trancada nesse apartamento desde o dia vinte e três de dezembro. Com o tempo as festas de final de ano vão deixando de ser incômodo e vão virando suplício. Só fui feliz quando passamos juntos, emaranhados um ao outro, saindo do quarto apenas para os banhos que se intercalavam com o sexo e pequenas refeições regadas de muito vinho. Você foi o único presente que me fez feliz de verdade, melhor que qualquer brinquedo que eu possa ter desejado na infância.

 

Comprei três caixas de espumante e quatro vidros de clonazepam em gotas. Revezo um com outro nesse período de festa, e às vezes misturo os dois. Como muito pouco, quase nada. Tenho algumas frutas na geladeira, um pouco de chocolate e os restos de comida que uma vizinha, compadecida, deixou aqui antes de viajar. Meu prédio, ainda iluminado pelas luzes do Natal, é um imenso vazio. Todo mundo tem alguém ou algum lugar para ir. E quem não vai, escolheu a solidão para ver nascer o novo ano.

 

Gosto da solidão permitida, dessas que a gente decide por conta própria. Mas agora, aqui nessa casa com cheiro de roupa usada, quando eu nem tenho para quem ligar e desejar um ano bom, sinto uma tristeza tão grande, que minhas pernas ficam bambas. Se eu acreditasse em pedidos e promessas, juraria subir qualquer escadaria no mundo de joelhos para ter você de volta, para eu ser uma pessoa melhor e para termos muitos filhos, e que todos os outros finais de ano do mundo fossem uma casa cheia desses filhos que nunca teremos e dos netos que viverão apenas na imaginação da velha louca e bêbada que eu vou me tornar.

 

Não há nada que me distraia. Não há janela aberta para observar a rua vazia. Não há tempo para que eu realize ainda todos os meus sonhos. Tenho a sensação de que não há saída para lugar nenhum. Talvez eu fique aqui para sempre, mas também pode ser que você chegue em um cavalo branco e me salve do desespero.

 

Enquanto não escuto o barulho do trote, pingo mais algumas gotinhas na taça borbulhante. O reflexo no líquido é seu sorriso. Então quebro, jogo tudo na parede, na tentativa de te destruir. Depois deito no chão molhado e choro mais uma vez a sua quase morte.


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