Anjos e quiabos - Jornal Fato
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Anjos e quiabos


Ao sentar para almoçar num dia chuvoso, e como toda chuva leva à nostalgia, pelo menos para mim, me deparei com um prato de quiabo do jeitinho que aprendi fazer na época de faculdade, bem sequinho. Olhando aqueles quiabos deliciosos, recordei de um período de vida que embora seja puxado é sempre de muito aprendizado.

 

Ainda muito nova, como já relatei em outros contos, tinha o desejo de fazer a graduação em jornalismo. E na luta por este sonho fui morar em Campos, quando tinha um pouco mais de 17 anos. O começo foi dolorido, mas Deus coloca anjos em nossa vida. Os primeiros meses de faculdade, morei em Baixa Grande, localidade rural que fica na estrada que leva os campistas à praia de Atafona. Para chegar a escola às 18h, tínhamos de sair de casa antes das 16h. Enfrentávamos ônibus lotados na ida e na volta, lá pelas tantas da noite.

 

Cortávamos toda a Avenida 28 de Marçoe íamos embora pela longa estrada. Em cada parada o coletivo ficava mais amontoado de pessoas em busca de seus sonhos. Mas durou pouco tempo, graças a Deus. Depois dessa experiência frustrante, cheguei à casa de uma dona de pensão indicada por um cartaz no mural da faculdade de Odontologia. A primeira tentativa foi em vão. "Desculpa minha filha, mas não tenho mais vagas", disse a senhora. Ela tinha cabelos bem grisalhos e uma expressão facial carrancuda. Mas, me indicou uma amiga que havia ouvido dizer que estava alugando quartos para acadêmicas.

 

Parti em direção ao endereço sugerido, com o coração apertado. Uma dor no peito! Cheguei aos prantos à casa de Dona Lenice. Ela comovida com a minha peregrinação, me acolheu como a mãe bondosa que sempre foi para o seu único filho Rodrigo. Era uma sexta feira já de tardezinha e ainda precisava assistir aula, pegar o ônibus que vinha do Rio e passava pela rodoviária às 22h para retornar a Cachoeiro.

 

Tudo combinado, na segunda já iria para a casa dela. Durante dois anos dividi o quarto com a pessoa que passou ser uma grande amiga, uma acadêmica de Odonto, a Luciana. Vivia para estudar!

 

Era uma casa simples, mas cheia de afeto. Lá tínhamos a Dona Alzira, uma mulher de baixíssima estatura e de raríssimos dentes que lhe restavam de uma antiga dentadura. Quanta bondade dentro daquela raquítica mulher! Mais um anjo em minha vida.

 

E fui morando com a Dona Lenice até que um dia, quando a grana apertou mais do que já estava, mudamos para uma casa onde não tínhamos a comodidade da comida pronta nem da roupa lavada. Lá moramos em seis meninas, entre as quais com uma delas aprendi a fazer o quiabo sequinho que me levou a esta deliciosa volta ao tempo de faculdade, lembrando de alguns anjos que passaram pela minha vida.


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