Ana filosofa - Jornal Fato
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Ana filosofa


(Capítulo 25)

 

Talvez tenha começado do jeito errado. Não abri o portão devagar, mas escancarei todas as portas e janelas para você entrar, sem avisar quem realmente morava aqui dentro. Mas eu sei que quando conversamos sobre nossos gostos, sonhos e objetivos você notou que eu não era exatamente um animalzinho de estimação dócil e obediente, e eu, se tivesse lido as entrelinhas, teria percebido sua crueldade. Não fizemos nada disso. E aprendemos, na prática, até o limite, a capacidade que um tem de ferir o outro. O amor, quando não mata, ele quase mata.

 

Nos invadimos achando-nos convidados, e eu achei que era para ficar. Imaginei um banheiro com duas escovas de dentes, fotos nossas espalhadas por todos os cômodos, sorrindo de uma felicidade de doer a barriga, cama de casal sendo feita e desfeita entre pequenas brigas e grandes reconciliações. Mas nosso amor chegou com a sutileza de um elefante, e nosso mundo foi desabando com a força do nosso egoísmo.

 

Se tivéssemos sido transparentes para falar e atentos para ouvir, talvez nada disso tivesse acontecido. Nós não teríamos acontecido. Só que o amor é essa coisa louca, que não respeita regras nem limites, e fomos atropelados por nós mesmos, pelo outro, pelo tempo perdido em brigas. Nunca nos entendemos. Transformávamos nãos em sins, sins em talvez e talvez em memoráveis batalhas. Ou não fomos claros, ou não tivemos coragem para entender a verdade um do outro.

 

Não sei como não enxergamos isso, já que, de fora, todo mundo via. Aliás, sei sim: paixão. A paixão que cega e nos torna meio loucos, observando telefones que nunca tocam, frases de amor que nunca são ditas, flores que nunca chegam, códigos que jamais serão enviados. Acho que a paixão que prospera não é só a recíproca. Deve existir uma certa mandinga, um livro com fórmulas secretas, um algo acima de nós que decide: este com este, aquele com aquele, este aqui sozinho. E nós, não acreditando nesse destino traçado, seguimos sinais que não passam de piração.

 

Eu sei exatamente quando comecei a te amar, mas não sei se isso vai terminar um dia. Também não sei se quero que termine. No momento eu acredito em tudo isso. Em um segundo já não penso mais assim. Mas você é a ideia fixa, que não descola. Então é melhor que venha logo, antes que eu vá te buscar. E farei isso sem a menor racionalidade.

 


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