Ana e um antigo namorado - Jornal Fato
Colunistas

Ana e um antigo namorado


(Capítulo 26)

 

Pensando bem, não começou com você. Isso de ir até o limite com as coisas já faz tempo. Na verdade, acho que nasci assim: Suportando. Suporto com brigas, choros, bato o pé e tal, mas não desisto das minhas relações até que o poço esteja tão fundo que perco a chance de vida. Vou até onde não há luz ou ar. Ninguém pode me culpar de não ir até o fim.

 

Ontem esbarrei com um antigo namorado que tinha essa mesma crueldade sua. No início achei que tinha encontrado um príncipe. Depois veio a violência psicológica, a falta de respeito, a capacidade de me subestimar onde quer que estivéssemos.

 

Eu sempre fui bonita. E você sabe que não é falta de modéstia. Eu também sou inteligente, forte, simpática, esperta. Enfim: Tenho muitos e muitos motivos para receber elogios. Minhas amigas sempre adoraram minhas roupas. Meus professores admiravam minha dedicação e boas notas. Os homens não disfarçavam o olhar de encantamento. Eu sabia tudo isso, mas não é e nunca será o suficiente. Toda e qualquer mulher quer ouvir o quanto é maravilhosa da boca do homem que ama. Erra quem acha isso desnecessário. Mais que importante, é essencial.

 

Mas ele não. Ele fazia questão achar um erro, uma brecha no visual. Uma barriga inchada, uma unha que não foi feita, um dente sujo de batom. Havia sempre uma observação desagradável, uma característica que ele não suportava ou alguma coisa que poderia ter sido feita com mais capricho. Ao contrário dele, senhor das verdades absolutas e da beleza plena, nada do que eu fazia chegava perto da perfeição.

 

Levei isso por tanto tempo achando normal, que no final foi difícil identificar o que me deixava tão exausta a cada encontro. Se não fosse tão bom na cama, talvez eu tivesse me tocado e ido embora antes. Mas havia esse detalhe, minha insistência, a esperança de que um dia ia mudar. Só que toda mudança era para pior: quando ele não me humilhava, me ignorava. Enquanto isso, eu insistia.

 

Acho que foi isso. Tanto insisti e aceitei que deixei de ser interessante. Ele arrumou outra. Mas com ele não me senti tão abatida. Deixei de sofrer nos braços do primeiro homem que olhou nos meus olhos, apertou minha bunda e me disse o quanto me achava gostosa.


Comentários