Amnésia - Jornal Fato
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Amnésia


E agora, quando fecho os olhos, percebo que não me lembro da roupa que você usava. Não sei ao certo se você vestia calça ou bermuda e nem a cor da sua camisa. Mas sei que quando você me olhou foi a luz mais linda desse mundo. Quanto a mim, depois de horas escolhendo a melhor roupa, nem sei mais o que era. Disso lembro não. O que eu sei é quando você me beijou foi como se o céu se abrisse. Se eu precisar contar sobre o restaurante que fomos, vou confessar que esqueci. O que eu não esqueci é que conversamos durante horas, como se fossemos velhos amigos, e que assim descobri o quanto a gente combina. Pedimos sobremesa? Tomamos vinho ou cerveja? Estava frio ou calor? Fomos no seu carro ou no meu? Essas coisas pequenas estão sob neblina na minha mente. Eu sei do seu cheiro, do seu gosto e posso explicar com clareza a sensação do toque das suas mãos, que era como pequenos picos de qualquer substância que fizesse o coração disparar e o corpo queimar. Uma droga boa, que por isso não tem o rótulo de droga. Suas mãos só me fazem bem.

 

Eu não sei como cheguei em casa, embora não tenha bebido tanto. E sei que, quando levantei, tive a sensação de pés fora do chão. De flutuação. A leveza da perfeita sintonia de uma alma feliz dentro de um corpo satisfeito. Parece que não tirei a maquiagem, mas mesmo o rosto borrado não esconde o quanto a noite passada me fez bem. Uma dessas essencialidades da qual eu já havia esquecido.

 

Se voltamos com o dia claro ou se ainda era noite, se existiam outras pessoas além de nós dois, nada disso sei dizer. E por falar em pessoas, quem são elas depois de ter você? Pagamos com dinheiro, cartão ou saímos sem pagar a conta? Que música tocava? Só tenho em mente o som da sua voz. O que não é só. É tudo.

 

Estou com amnésia para todas as trivialidades. Mas o essencial me envolve até agora. Quero fazer tudo isso ou nada disso de novo, desde que seja com você.


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