Alma desnuda - Jornal Fato
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Alma desnuda


Tenho vivido, nestes dias, um embate gigantesco com os mandos e desmandos da humanidade. Sempre fui de me apegar às  palavras alheias, dando crédito a quem, nem por uma nesga, sonhava ser, futuramente, meu devedor. E lembrei por demais do poema de Augusto dos Anjos: Versos Íntimos. Seus textos me achocalham em relação às questões mais brandas e cortantes.

 

E vejo, realmente, que estamos habitando uma terra de miseráveis, desenhando-nos, em fortes traços, como fera também para que consigamos manter nosso espírito de sobrevivência. E como precisamos! Infelizmente, em algumas cadências, temos que sentenciar o mesmo troco, igual medida para que sejamos escutados. Não falo de vingança, pois não tenho espírito de sangue nos olhos, nem acumulo peso desmedido sobre minhas costas.

 

Mas, sofremos embates, desordens e sentimentos camuflados que, quando menos se aguardam, mostram suas camadas. E, aí, raríssimo leitor, não conseguimos escapar da danada ingratidão e sua parente frustração. Delas, tomamos goles e embriagamo-nos com um gosto amargo, que desce à garganta latejando e corrompendo veias.

 

Como sou augustiana, acredito que "a verdade virá das pedras mortas / e o homem compreenderá todas as portas / que ele ainda tem de abrir para o Infinito" (Ultima Visio). Sob esta ótica, sinto que a dor colaborará para que emancipemos e vençamos toda árvore de desencantamento. Augusto, em sua poética, revela a raiz maldita que vigora em nosso mundo. Revela, da forma mais realista, os vieses que sustentam os lados do homem: sombrio e solar.

 

E, nesse corpo sombrio, que me percebi frustrada. Inaugurei meus dias com gosto de amargo na boca, logo eu que amo ter paladar doce. Vi que, por um extenso tempo, a Ingratidão foi amiga, parafraseando Augusto. E, desta conversa, não colhi frutos apetitosos. No entanto, foi- e tem sido- tempo de reconstruir novas paisagens, com objetos e mobílias novas e requintadas.

 

Não quero usar de pedras para combater este mal. Não quero provocar o sangue nem entupir artérias. Nem tão pouco causar danos ao meu cérebro e meu estimado coração. Não, sinto falar, não é tarefa realizada de cor, leva tempo para que eu me sinta aprovada e consiga reverter a estupidez porque nos alimentar das misérias humanas, das comidas dos abutres nos tornará cascas demais.

 

E desejo para nós fruto suculento, com polpa doce. Comungo com você cheiros de comida gostosa e banquetes de partilha, com mesa farta, música boa e companhias de verdade. Acreditem, essa bebida amarga me fará mais forte e serena. Negarei até o fim minha descrença no meu semelhante. Não continuarei escrever nosso legado de miséria. A ingratidão, tão presente na humanidade, não nos afastará do nosso direito, registrado em ata, cartório e poesia, de olhar no outro a nossa alegria.     

 

Simone Lacerda é professora.  cheirosensaiosepoesia.blogspot.com.br

 

 

 


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