A vida do desconhecido - Jornal Fato
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A vida do desconhecido


Perco o sono com certa frequência, e as pessoas que consigo enxergar da minha varanda passam sempre sem pressa, como se na madrugada a vida corresse de forma mais lenta.

 

O moço encostado no poste fuma um cigarro. Acho que ele acaba de sair da casa da namorada e pretende ali alongar os bons momentos. O casal quase mudo que passa de mãos dadas deve estar saindo de alguma festa, tão cansados que mal conseguem falar. Tenho a sensação que a senhora que varre o chão da rodoviária canta feliz por ter um trabalho. Um carro cheio de pessoas e com música alta penso ser um grupo de amigos festejando. E o outro carro onde está apenas o motorista que passa rápido pelo sinal fechado, embarco na certeza de que ele corre para um abraço demorado.

 

É assim. A vida do desconhecido parece sempre interessante. Enquanto nós e nossos amigos mais próximos estamos cheios de problemas reais ao alcance dos nossos olhos, na idealização da vida do anônimo mora nossa esperança de dias melhores.

 

Quisera eu, que corro tanto, estar sempre indo para onde houvesse festa, fosse ela do corpo ou da alma. Santa ou profana. Quisera eu que o corpo sempre cansado no final de cada dia fosse sempre de dança, de pulos de alegria, de caminhadas na beira do mar ou de excesso de amor. Quisera eu que essa tristeza de agora fosse apenas saudade não de quem partiu, mas de alguém que estivesse ali no quarto enquanto eu, aqui na sala, escrevo. Quisera eu ter a dos personagens que povoam minha insônia. Sei que qualquer um deles, se percebesse minha presença na varanda escura, diria a si mesmo que sorte a minha de morar ali e ter uma vista tão privilegiada. Pobres mortais que, assim como eu, não sabem de nada.

 


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