A construção do sujeito na (in) felicidade - Jornal Fato
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A construção do sujeito na (in) felicidade


Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.

Jean Paul Sartre

 

Tenho me assustado com o número de pessoas que vivem à base de antidepressivos. São indivíduos que precisam tomar medicamentos para dormir, para acordar, para estar bem, enfim, evitar o sofrimento, tão real na vida. Isso acaba, sem sombra de dúvida, por anestesiar o sujeito de si mesmo.

 

Por outro lado, nunca se vendeu tanta "felicidade" em posts em instagram e facebook, como se os seres humanos fossem obrigados, a qualquer custo e mesmo que, superficialmente, estar feliz e negar qualquer forma de infelicidade. Não há nada mais terrível.

 

Há uma busca desenfreada pelo amparo, mesmo sabendo que estar vivo já nos coloca em situações de total desencontro. Viver requer de nós embates diários com os diferentes dilemas que nos circundam e, mais que isso, requer que saibamos conviver com os fracassos, pois eles sempre virão.

 

Não há uma felicidade linear, visto que nós somos seres oscilantes e que se modificam a todo o momento. Significar-se como um ser que "precisa" a todo instante estar feliz fará com que fiquemos frustrados e tomados, muitas vezes, de prostração e uma densa tristeza. O consumo, as viagens, as festas de fim de semana, o corpo milimetricamente esculpido não farão de você alguém mais completo e pleno.

 

A felicidade, algo tão subjetivo, é construída de momentos alegres, como projetos realizados, família unida, valorizações, relacionamentos, etc, que nos dão conforto e nos possibilitam ter perspectivas e sentidos para o que nos propomos a fazer. Não viver as perdas- luto (passamos por tantos na vida) nos fazem seres que precisarão de muletas para continuar existindo, pois não significamos o papel da dor no processo de nossa reconstrução. A dor é a oportunidade de crescimento, de estabelecimento de coragem e de vida, fomentando algo indispensável a nós: resiliência.

 

O mundo contemporâneo tem exigido dos indivíduos uma postura muito mais artificial, alimentando uma vaga noção de felicidade ao poder de compra, à fama, beleza e ao status. Neste cenário, o sujeito é reificado, colocado como produto, algo manipulável e superficial, logo, não ir ao encontro dessa realidade nos fazem destoantes do discurso maniqueísta. Muitos, desta forma, incorporam uma intolerância à frustração e às tristezas, o que o transforma em um ser cada vez mais doente. Dado o imediatismo, vemos tantos recorrerem ao que poderá amortizar ou adormecer tais insatisfações, mas, o caos permanece ali se não ressignificado.

 

Nunca estivemos em uma sociedade tão narcisista e hedonista, sem um olhar mais particular para o outro. E essa busca tão desenfreada pelo prazer e felicidade a qualquer preço em detrimento de qualquer coisa nos empurra ainda mais para um abismo cada vez mais profundo. Deixamos de ser o sujeito para ganhar ares de objeto, deixamos de ter a poesia gerada também na angústia para desfrutarmos de leituras vazias e de "pseudo-ajuda", deixamos de conclamar nossos cenários, dotados de caos e possibilidades, para rechear nossas salas de estar com objetos de decoração.

 

A felicidade é sempre possível, mas, se nego que serei infeliz tantas vezes deixo de ser mais humano. Os caos e os confrontos são parte das cascas e calos que marcam e individualizam nossa história, tornando-nos muito mais especiais. Sem caos e confrontos, não produzirei a minha pérola, parafraseando meu saudoso Rubem Alves.

 

 

 


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