21 de Junho - Jornal Fato
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21 de Junho


"Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução." Machado de Assis

 

Aos onze anos comecei a ler Machado de Assis. Um tanto ousada para tal leitura, mas me senti seduzida a lê-lo. Lembro que a primeira obra lida foi Dom Casmurro, não entendi muita coisa- ou quase nada- naquela época, mas percebi que "aquele encontro" se daria outras tantas vezes, ou melhor, para uma vida inteira.

 

Lembro de uma frase dessa obra ímpar que não me saiu da cabeça "Capitu (?) mais mulher do que eu era homem." Na verdade, naquela época, não tinha muita compreensão do empoderamento feminino e de como a literatura é capaz de nos mobilizar e fomentar uma reflexão acerca da nossa existência, todavia, a frase circundou em minha cabeça e me fez ver Machado de outra maneira.

 

Um autor capaz de dar voz ao outro, em especial, à mulher, tão massacrada pelo sistema patriarcal, tão marginalizada pelo discurso alienante e prepotente que constituía a sociedade do século XIX (e ainda, hoje, dá seus ares). Aquilo me intrigava e me conduzia para que continuasse "descobrir Machado" ou para que ele me revelasse por meio de seus personagens tão intrigantes e reveladores de um tempo.

 

Capitu me seduzia e, anos mais tarde, em uma leitura um pouco mais madura, continuei sendo alimentada por este "bruxo" do Cosme Velho. A mulher que se revelava forte, empoderada, dona de si e de seu discurso. Um feminino que subverte a sociedade misógina, ainda sustentada, alavanca uma desconstrução do higienismo social e   inaugura olhares para a literatura e seu indispensável papel.

 

Não é meu desejo analisar a obra de Machado aqui (nem me considero capacitada para tal), mas somente trazer ao leitor a oportunidade, caso não tenha lido, de se encontrar com a obra machadiana, pois, tenho certeza, não lhe permitirá ser o mesmo.

 

O bruxo revela uma sociedade marcada pelos acordos e jogos sociais, pela hipocrisia reinante e pela superficialidade em prol de poder e dinheiro. Sua escrita é embate, trazendo à tona uma construção literária jamais presente na arte brasileira. São figuras de linguagens, construções gramaticais e demais aspectos linguísticos que subvertem, inclusive, o leitor e sua forma de ler uma obra.

 

Machado reinventa o discurso, exigindo um leitor eficiente e atuante, sem espaços para uma leitura desavisada. Tal elemento, tão comum nos textos pós-modernos, já é percebido em sua obra (um autor de vanguarda) e isso eleva ainda mais a literatura machadiana.

 

O olhar oblíquo e dissimulado de Capitu é a revelação de um tempo desigual e manipulador. É também o instrumento adquirido pelo feminino para que conseguisse existir em uma sociedade que não desejava seu crescimento. Ouso dizer que é o próprio olhar do bruxo para esta sociedade que se mantinha em castelos de areia, em ideologias que beneficiavam poucos.

 

Seu pessimismo e sua ironia desmascaram uma sociedade alimentada por paletós e festas, por sorrisos que velam mazelas e mentiras. Não há como negar sua genialidade e escrita singular. Um autor que me permitiu construir cenários literários e vigorar meus ideais de existência tendo como mote seu realismo.

 

Agradeço Machado por me encorajar como leitora, mulher e escritora. Sou eternamente grata por tê-lo encontrado e ter seu discurso como ferramenta para que possa vislumbrar o homem sem cortinas, para que perceba as esferas sociais de forma crítica e autônoma, descosturando a mim mesma a fim de que "não transmita o legado de nossa miséria" (Memórias póstumas de Brás Cubas).

Meu sempre bruxo!


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