Só, um sujeito comum

Engana-se quem pensa que o dia se anuncia formoso somente nos eventos mais emblemáticos. O milagre pode acontecer até no mísero gole de café oferecido pelo dono do bar da esquina

13/09/2024 09:10
Só, um sujeito comum /Foto: arquivo da coluna

Filho de Oxum, sou rio que deságua na maré de março, onde, desde os tempos de Seu Waldemar do Pero Vaz, Zacarias e Traíra, siri já se via doido na presa do guaiamum, camará. É minha sina, sá moça. Não pude fugir. Nem quis.

Da ?Paixão à beira-mar? (primeira letra que compus na vida, graças ao parceiro-ídolo William Sant'anna) ao molequinho com sorriso de maré (sobre quem escrevi, há dez anos, ao embalo de ?Ventou, ventou?, de Jorge Vercillo), todos os afluentes me apontaram a mesma foz. Protegido por Santo Antônio pequenino, amansador de burro brabo, só me fiz tripulante da barquinha de Noé.

Outra coisa: engana-se quem pensa que o dia se anuncia formoso somente nos eventos mais emblemáticos. O milagre pode acontecer até no mísero gole de café oferecido pelo dono do bar da esquina, cuja generosidade é tão grande quanto sua língua. Você aceita, bebe dois dedos de prosa (?Fulana deu um golpe de três mil naquele otário...?) e, com a fé abastecida, retoma o trajeto ao trabalho.

Logo à frente, um par de pombos voa ao encontro de teus pensamentos, reforçando que o amor de verdade tem, sim, valor de liberdade, conforme reza, com seu rosário, pitando seu cachimbo, Pai Bento de Guiné.

Antes, na descida da ladeira, a resposta que sempre te soube: uma folha em feitio de coração te vem do alto, sem pressa de se quedar, porque jamais abdicou de confiar na esperança de tuas mãos. Se folha verde é bom sinal, como brada o caboclo flecheiro, em formato de amor, então, é frutificado namoro, germinado pela semente do choro, florescido nas rimas deste guerreiro-criança.

Alguns hão de julgar idílica esta literatura. Estão equivocados. Sem abusar do diabo, apenas temperei com mel e dendê o pão amassado por ele.

 

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?Que seja eterno enquanto dure esse amor, que dure para sempre, que seja abençoado por Deus, que seja diferente...?

 Assim canta, em afinação Cohab City, esta croniqueta de amor e humor (porque o amor só é possível se houver também, e sobretudo, gargalhada), com cerveja servida em copo de geleia de mocotó Inbasa, frango assado de padaria e, se bobear, até um banho de mangueira na calçada das nossas periferias, ao passo que, lá dentro, minha avó, em seu cochilo pós-almoço, é assistida pela TV de casa, que exibe, àquela hora da tarde, mais uma indecente banheira do Gugu.

 

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Conversando, virtualmente, com meu querido João Ferreira, evangélico de fato e de afeto, eis que ele me lança uma pergunta retórica:

? 'cê tá bem?

? Sim, mano. Apesar de algumas preocupações...

? E de repente a vida anda, feito uma ciranda, e nos leva a cirandar.