Melodias geografetivas

No fundo, no fundo, sempre fui um solitário na ruas de Marapé, às tardes de domingo, com um pacote de biscoito Piraquê de chocolate

18/10/2024 10:11
Melodias geografetivas /Foto: divulgação/PMAV
  1. A subida-descida da Rua Gonzaga de Campos (que sai quase no Norte Shopping, na Avenida Suburbana, no Rio) é o zig-zag que o tempo faz, correndo, na canção "Tic-tac do amor", do Trem da Alegria; é a vereda-refrão que sintetiza, nos arredores de si, a década de oitenta, toda ela, desde a capa do disco "Bad", de Michael Jackson, aos seios de Patrícia Lucchesi, a do primeiro sutiã. 
  2. Quando besuntada no pão francês recém-saído do forno da Nil Regi (padaria do balneário sul capixaba de Marataízes), a love soul "Back at one", de Brian McKnight, é a manhãzinha ensolarada daquele novembro de 2000, em que o moleque-capoeira, fitando a desertidão que delineara a praia da Cidade Nova, vislumbrava o beijo da colega de turma que nem sequer aceno lhe foi. 
  3. O lá-laiá-lá-laiá-laiá que abre o samba "O show tem que continuar" (um dos mais icônicos do Fundo de Quintal, composto por Arlindo Cruz, Luiz Carlos da Vila e Sombrinha) é a onomatopeia-fumaça do churrasco que se esvaia, domingão afora, da casa duma mãe-de-santo amiga de tia Áurea, que ficava no subúrbio carioca de Guadalupe, pertinho de Anchieta e Pavuna.  

(Crônica originalmente publicada no caderno "C2+Pensar", do jornal A Gazeta, em 2 de janeiro de 2016)

 

COM DOSES DE LIMÃO

Janeiro de 2019. Noite dessas, esperava o busão para casa, tranquilo, petiscando um espetinho de responsa no churrasquinho mais fulero - e comovente - da avenida, quando conheci um sujeito cuja história é capaz de fazer inveja a qualquer mocinha de novela do João Emanuel Carneiro, daquelas que se ferram mais que palhaço na mão de poeta. 

Não vou me aprofundar no caso, até para preservar o indivíduo, mas o resumo da ópera é que o camarada, por não ter sido caguete numa determinada situação, mesmo se lascando de morro abaixo, teve justiça feita. A dos homens e a divina. Que ele as brindava, ali, com doses de limão e umas gargalhadas bem faceiras.

 

...DE CHOCOLATE Nasci no Méier, passei perrengue na Cidade de Deus ("Deita no chão, filho, tiroteio..."), tomei potão de sorvete por um real na Pavuna, descobri no sertão de Russas o quão gostoso é cuscuz de milho com carne moída e leite, bebi cerveja com Benito di Paula no aeroporto de Salvador... 

...mas, no fundo, no fundo, sempre fui um solitário na ruas de Marapé, às tardes de domingo, com um pacote de biscoito Piraquê de chocolate.