Junho de 2020

Esta crônica saiu somente no alvorecer de quinta-feira. O bom, entretanto, é que escrever da casa dos meus avós, pela manhã tem um quê-de-não-sei-o-quê que torna tudo mais especial

11/10/2024 08:29
Junho de 2020 /Foto: Reprodução/web

Pela segunda noite consecutiva, o sono me aplicou um tremendo sossega-bezerra. De modo que esta crônica saiu somente no alvorecer de quinta-feira. O bom, entretanto, é que escrever da casa dos meus avós, pela manhã, ao invés de quando o "dia já não é mais dia", tem um quê-de-não-sei-o-quê que torna tudo mais especial.   

Vejamos. Assim que acordei, meu avô me perguntou se era domingo. Respondi que não. Confesso, porém, que quase lhe disse o contrário. Só para ligarmos a TV e assistirmos a mais um episódio de "Todo mundo odeia o Chris", aquele que, segundo meu velho, nunca se dá bem.  

Ah, as redes sociais me lembraram que, há quatro anos, eu lançava meu livro. O dia, na ocasião, era tão ensolarado como agora. Contudo, não tive saudade do lançamento, e por um único motivo: ainda não havia quem precisava me haver.

 

**** 

 

Senti vontade de ir ao trabalho de boina branca, camisa xadrez e, por baixo, aquela blusa estampada com a capa da antologia "O meu lugar". Movido a café, fui à recepção buscar um golinho. Quem me recebeu, próxima à garrafa, foi uma vira-lata que ali também cumpria expediente. 

 - Fica à vontade, moço.

- Maravilha. 

 Foi, então, que me veio a funcionária do jurídico... 

 - Você está igual àqueles boêmios antigos, Felipe.

- Pois é. Embora eu tenha cara de moleque, sou do tempo do meu avô. 

 A vira-lata ouviu tudo, quietinha, "entre a serpente e a estrela".

 

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Ouvia eu o rádio, fitando a cinzentude vespertina, da janela do quarto, quando uma música me chamou a atenção. Era "Everday", de James Taylor, uma balada cuja melodia me reproduzia as feições - e maçãs - de um certo rosto: nuvens nubladas (em aquarela) que me tocam a alma, suavemente.   

Depois, na mesma emissora, ouvi um single que tinha sabor de Méier: "Ten ways of lovin' you", de Lenny Williams.  

Não sei se já contei, mas meus fios cada vez mais grisalhos não conseguem esconder o menino suburbano que sempre sonhou em passear de mãos dadas com sua garota, pela Rua Piauí afora, numa tarde cinzenta-ensolarada de 2020 ou de 1987. 

Vem comigo.