Coluna chuva fina: "Na boca (e no bico) da vida"

Nossas palavras, às vezes, nada mais são que ecos do que se palavreia.

10/05/2023 11:08
Coluna chuva fina: "Na boca (e no bico) da vida" /Foto: Reprodução/Web

Fui batizado duas vezes, ainda bebê. A primeira, numa tal Igreja Católica Brasileira, da qual nunca ouvi nada a respeito, nem a despeito. Perdoai, Pai, este vosso descatequizado filho. Já a seguinte, na Igreja de Santo Antônio de Pádua (Laroyê!), no bairro do Cachambi, no subúrbio carioca. Onde mais, não é, meu coração? 

Se o que vale é o que está no escrito, como reza o jogo do bicho, meu batismo à vera foi no segundo templo, em 28 de outubro, conforme certidão assinada pelo padre daquela paróquia, em cuja batina, ah, devia ter dendê. Parêntese: até antes de me deparar com esse documento, sábados atrás, eu sequer sabia de sua existência. 

De cara, a data me passou batida. Mas não para o meu irmão Stéfano Fabris, a quem enviei uma foto da certidão. ?É o dia do Zé Pelintra na Umbanda?, me lembrou ele, que tem por hábito cantar a oração de São Francisco de Assis, no caminho à labuta, com a mesma devoção que costumo entoar, nos campos de batalha, os pontos do homem que, trajando terno branco, jamais permitiu que lhe sujasse as vestes.  

Fé que me vem ? e me tem ? de berço, literalmente.

 

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Nossas palavras, às vezes, nada mais são que ecos do que se palavreia pelaí, esse advérbio de não-lugar (essa coisa divinamente gonzaguiana) onde é fácil, fácil me achar. Por exemplo: após algumas alvoradas sem dar os bicos por aqui, bem-te-vis que reverberei autrora (sim, corretor, a aurora da outrora) resolveram cantar de novo nestas linhas, às seis horas. Só me resta ressoá-los.  

Assim como venho ecoar as palavras de um amigo que, do balcão do botequim, me confessou ter sobrevivido a seis tiros, disparados às seis em ponto, nos contratempos das seis badaladas do sino da igreja perto da qual ele então se encontrava ? naquele mesmo instante, em algum outro canto da cidade, seu filhinho havia acabado de acordar de um sonho através do qual previra seu pai anti-herói se safar de mais uma cilada.

 

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Manhãs e parágrafos depois... ?Por onde há tristeza, que eu leve alegria/ Por onde há trevas, que eu leve a luz/ Ó mestre, fazei com que eu procure mais consolar que ser consolado?, cantou Stéfano, ?fazendo justiça à crônica? (grifo dele), em áudio enviado a mim, em feitio de oração. No que lhe retribuí, também em áudio, com a seguinte ladainha:  

?Iê/ Até hoje nenhum vigário/ Me levou na grande mão/ Mas eu sou mais um otário/ Eu não sou malandro, não/ Não é cabra, nem é zebra/ Minha graça é Seu Bezerra/ Malandragem de verdade/ Atestou minha identidade/ O segredo da menina/ Dele sabe só o espelho/ Bom malandro não urina/ 'Tira a água do joelho'/ Quem respeita um malandro/ Desamparado nunca fica/ E quem vive enganando/ A vida vai reivindicar/ Camará?.  

Enquanto eu entoava meus versos, um bem-te-vi gorjeou sobre minha cabeça. Seis vezes. 

 

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Pois é, meu malandro. Na boca (e no bico) da vida, vou aprendendo a falar ? ou me calar ? conforme a razão daquilo que também pode ser desrazão. Afinal, vivo a reverberar as linhas tortas escritas por Deus.