Vai dar certo ou vale a pena? - Jornal Fato
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Vai dar certo ou vale a pena?


É provável que tenhamos sido educados ao longo da vida para termos sucesso, e como o Rei Midas, transformar em ouro tudo o que tocamos. Se não alcançamos tudo o que esperam, somos fracassados. E aí vivemos sobre pressão, com padrões que não são os nossos, vimos crianças com agenda de adulto, transtorno de ansiedade e outros problemas que eram comuns aos mais velhos, e não na infância. Jogamos nas costas de nossos filhos, muitas vezes, as nossas frustrações e medos e os fazemos carregar pesos desnecessários pela vida afora.

Fiz isso com minhas filhas, e elas me cobram isso hoje. Gorda que fui a maior parte da vida, pegava no pé delas e implicava com o peso quando ainda não eram obesas.  E hoje vejo o mal que fiz. Mesmo fazendo isso com o intuito de que não sofressem com preconceito e discriminação, como já havia acontecido comigo, posso ter interferido no rumo da vida delas com palavras negativas e impedido uma vida normal. Outro erro que cometi foi em relação à alimentação. Embora desde crianças comessem todos os tipos de verduras e legumes, tinham à disposição muitos biscoitos recheados e outras porcarias nada saudáveis.

E aí aprendo, a partir de palavra que ouvi recentemente, que não devemos fazer nada, principalmente em relação aos nossos filhos, primeiramente para dar certo, mas porque vale a pena. Nós não sabemos o que vai ser do futuro, mas investimos o melhor de nós porque sempre valerão a pena. E penso hoje, após tantos erros, que se continuarmos acreditando que vale a pena, vai dar certo sem o peso da cobrança precoce e impiedosa que leva a crianças depressivas e inseguras.

Quando educamos porque vale a pena, os nossos filhos, e nós por tabela, vamos viver e não apenas existir, lembrando as palavras do escritor irlandês Oscar Wilde, que disse certa vez que "viver é a coisa mais rara do mundo porque a maioria das pessoas apenas existe".  Apenas existir leva à mediocridade. Viver produz grandeza, autoestima, amor próprio e empatia.

E para sair da mediocridade à grandeza é preciso coragem, mesmo quando tudo diz que você não vai conseguir. Foi o que fez Rosa Parks, ativista negra americana, que em 1955 se recusou a ceder seu lugar a passageiros brancos num ônibus do Alabama em tempos de segregação racial. Já existia reserva de assentos para brancos e negros. Mas quando entravam mais brancos que os assentos a eles reservados, os negros tinham que ceder seus lugares no fundo do coletivo.

Então, percebo que em alguns momentos, de uma forma de outra, apenas existimos. Quantas vezes Rosa Park já havia cedido seu lugar? Provavelmente muitas. Mas num momento, cansada e dolorida, após um dia exaustivo de trabalho, resolveu viver e marcar forte presença. Entrou para a história. De fato grandes revoluções começam com pequenas, mas corajosas atitudes de resistência.

Ao existir apenas, podemos fazer sucesso, ser aparentemente bem sucedidos, mas termos o dissabor de perder o que temos de mais precioso, graças à ganância e à nossa corrida desenfreada e inescrupulosa pelo poder político e econômico. O Rei Midas, ao desejar que tudo que tocasse virasse ouro, não se lembrou dos alimentos nem da única filha, que ao abraçá-lo virou uma estátua de ouro.

Desesperado e arrependido, o rei, que tinha recebido o dom após hospedar o pai de Dionísio, o deus do vinho da mitologia grega, pediu que desfizesse a magia. Desejo concedido, a filha voltou ao normal e pode novamente fazer coisas simples que tinham se tornado impossíveis. Voltou a viver. É mitologia, mas serve de reflexão.

Estamos vivendo ou existindo? O que temos sacrificado para existir seguindo valores que não são nossos? Isso preenche espaços ou deixa vazios sufocantes? E do que temos aberto mão para viver segundo os nossos princípios? Dá paz interior e ressignifica a vida?  Confesso que, se pudesse, corrigiria muitas coisas do tempo em que apenas existi. Hoje não abro mão de viver, e intensamente, mesmo que para isso esteja na contramão dos acontecimentos e do roteiro que escreveram para mim. Essa é a grande vantagem da maturidade. Escrever a própria história, sem medo de ser feliz.


Anete Lacerda Jornalista

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