Uma história real - Jornal Fato
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Uma história real


Era sempre a mesma história em todo início de relacionamento. Ela era cheia de amigos, bonita, bem resolvida e independente. Gostava de gerar polêmicas nas redes sociais e de "causar" com suas declarações nem sempre politicamente corretas. Autoestima em dia, peitos e coxas em evidência e muitas doses de tequila durante as intermináveis noites. Uma moça que só queria curtir a vida sem ter guerra com ninguém. Aí começava a namorar e achava bonitinha a insegurança do parceiro. Mudava de roupas e de hábitos e logo depois se cansava de receber tantas ordens. Dizia ao sujeito que ele deveria aceitá-la do jeito que ela era. Ele dizia o mesmo. Um dos dois ia embora e a vida seguia.

Daquela vez foi diferente. De cara ela achou viril que ele andasse armado e riu quando ele falou que não apreciava as tatuagens que ela tão orgulhosamente ostentava. Já nessa primeira noite, quando começaram a relação, ele sugeriu que ela bebesse menos, falasse mais baixo e risse com mais classe. No primeiro final de semana juntos não saíram de casa, e ela justificou aos amigos que estavam vivendo a paixão. Devagar foi sumindo até que sua ausência deixou de ser sentida, apenas notada pelos mais próximos. No trabalho mal falava com os colegas. Chegava e saía como que programada, e se assustava quando alguém tentava estabelecer diálogo na hora do café. Ele poderia estar escondido vigiando seu comportamento que, segundo havia dito, melhorara um pouco, mas precisava mais. Agora via bem pouco a família, embora sua mãe cobrasse sua presença. As visitas eram cada vez mais rápidas também.

De suas roupas ousadas não sobrou nada. Sob ameaça de fogueira, doou todas. Assustava-se com o toque do telefone ou da campainha. Antes de saber quem era, ele já olhava como que acusando. Suas senhas não eram mais suas e as faturas do cartão de crédito eram minuciosamente examinadas. Ele exigia que todas as extravagâncias fossem extintas. O cabelo estiloso e sempre diferente era agora longo e preto. Não que longo e preto seja um problema, só não era a opção dela. Nada daquilo parecia com a mulher divertida, animada e festeira que um dia ela havia sido.

Dia desses o celular dela acabou a bateria e ele não conseguiu contato. Ela, nervosa, comentou com uma amiga o quanto isso o deixava furioso. A amiga não entendeu como um celular descarregado poderia despertar fúria até a hora que ele chegou e gritou exigindo que ela nunca, nunca mais, deixasse isso acontecer. Eram tempos difíceis. E ela apavorada demais para ir embora.

Nos poucos momentos em público muitas cenas foram feitas. Até que ela perguntou porque não podia usar biquíni, já que ele postava, compartilhava e curtia fotos de outras mulheres vestidas assim. Foi o fim de tudo. Mas tudo mesmo. A arma que ele usava no primeiro encontro foi a mesma que tirou a vida dela. E hoje ele anda por aí, livre, jurando que fez o certo, se achando justo e conquistando novas vítimas.

Enquanto você lê esse texto, outras mulheres morrem pelos mesmos motivos. Se ele já fez com você pelo menos um dessas coisas, fique atenta. Ele pode ainda não ter te batido. Ele pode até não tirar a sua vida, mas a gente também morre quando morre nossa essência.


Paula Garruth Colunista

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