Um amor perfeito - Jornal Fato
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Um amor perfeito

De tão intenso é impossível vivê-lo por um longo tempo


Com a persistência da sintomatologia de Carlos, seu semblante de dor, o médico mostra-se, a cada instante, mais preocupado. Ainda mais que os exames iniciais mostraram-se normais. Um mistério. Algo a ser desvendado pela medicina. O médico mede sua pressão no braço direito e em seguida no esquerdo. Uma diferença significativa se evidencia. Uma pista da sua doença, Carlos imagina. Pensou nas paixões e nos vários tipos de amores. Lembrou-se do mais instigante, daquele que foge aos conceitos e nem sempre se explica: o amor entre um homem e uma mulher. Amor e paixão se confundindo na loucura dos desejos. Coisas que os poetas descrevem com precisão, descrevem dores que nunca sentiram e sentem o fogo de uma paixão que nunca possuíram. De tão intenso é impossível vivê-lo por um longo tempo. O amor intenso, e perfeito, com o passar dos dias cria dependências, conflitos do querer e não querer, céu e inferno, angústias... Acontece poucas vezes na vida. Ele pensava: quando Márcia apareceu pela primeira vez... Sentou-se em frente a sua cadeira. Ele aparentava maturidade; ela jovialidade. Uma pele branca: branca como a neve. Falou dos filhos. Encontravam-se em uma Clínica Médica. Carlos aguardava o exame de próstata, completara 50 anos. Apesar de a aparente segurança no sentar, andar e falar, ela percebia sua ansiedade, o temor em seus olhos. A sensibilidade feminina aflorava naquele instante. Percebia a insegurança do homem à sua frente. Isso a seduzia. O olhar carente que ele demonstrava a seduzia. Um olhar, que apesar de inseguro, a desnudava. Além do olhar, o cheiro. Diferente de um perfume. Um cheiro que não experimentara antes. Algo a atraía. Um cheiro que despertava o desejo. Uma paixão. Logo foi chamado. Ela observava seu caminhar. À porta do consultório, antes de entrar, sorriu. Ela ouviu: Srª Márcia, sua vez. A doutora à espera. Buscava o creme para uma pele macia, protegeria a pela branca como a neve.

Momentos depois voltaram a se encontrar. Na farmácia buscava a medicação prescrita para a próstata. Ela, o creme protetor solar. Os olhares foram rápidos. Segundos eternizados. Estavam vulneráveis. Deixavam-se seduzir. A sedução é própria dos animais. Foi seduzida, sem uma palavra. Cheiro e olhar: dois sentidos animalescos. Algo que o homem traz das cavernas, do seu tempo de caçador. Ela se deixava seduzir. Gostava de pensar na ideia de ser amada e desejada da maneira que ele a olhava. Apesar dos sentidos aparentemente rudes, ela via leveza no olhar. Via a sutileza humana: via o amor puro. Ele perguntava o número: ela parecia não ouvir. O seu número do celular, ele disse. Caso eu precise de ajuda, ligarei. Após instantes de hesitação, ela ditou. Não foi preciso anotar, gravou em memória. Gravou, também, a silhueta de um corpo perfeito. O telefone tocava, insistia... Uma, duas, muitas vezes. A filha encontrava-se em seus braços e o filho cobrava instruções para o dever de casa escolar. O telefone foi deixado de lado. Ainda tocou algumas vezes. O amor perfeito ficaria em sua mente. Nunca o esqueceria. Permaneceria nos sonhos e nos seus instantes de silêncio. Era tarde para tentar vivê-lo. Vinte anos se passaram, nunca esqueceu aqueles instantes. Cochilava. Poucos minutos depois das nove horas. O médico o toca e diz: vamos solicitar uma tomografia do seu tórax, faremos sem o contraste iodado devido sua doença renal.

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Sergio Damião Médico e cronista

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