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O telefone celular toca algumas vezes, Carlos aguarda com paciência, algo que nunca apresentou


O telefone celular toca algumas vezes, Carlos aguarda com paciência, algo que nunca apresentou. Uma voz feminina atende, era a voz da filha. Ele diz: Bom dia. Ela reconhece de imediato. Muitas vezes, anos atrás, disse bom dia aos ouvidos dela. Ela sempre sorria com o jeito dele saudar o dia. Era assim, uma relação de alegria com sua filha. O rompimento da boa relação aconteceu em um dos encontros que teve com Márcia. Ela não aceitou.  Após o bom dia, e as recordações, ele acrescenta: Preciso te ver. Não sei se terei tempo, venha logo, estou no hospital. Entre em contato com seu irmão, ele informará o restante. Tenho que desligar, o médico é o dono do telefone, completa. Apesar da distância, ela morava em outro estado, e o tempo sem se verem, ela sempre foi a mais próxima, mostrava preocupação com seu modo de vida, mas ele sempre a afastava com seu jeito de ser. Exatamente do modo que falou nesses últimos instantes. Ao desligar o telefone, agradece ao médico por atender seu pedido, apesar de estar em uma área restrita da emergência do hospital. Uma área tão fria quanto o restante do Pronto Atendimento, porém mais solitária. Bem próximo de onde se encontrava, na entrada para os atendimentos, ele assistiu um agitado vai e vem de pacientes com dores de origem desconhecida como a dele. Todos com um semblante de sofrimento alternante em esperanças. Onde estava, na emergência, não conseguia ver a face dos outros pacientes, se assemelhavam aos moribundos, a esperança parecia longe.

Um medidor de pressão arterial pressionava o braço, a diferença entre um braço e outro se acentuava. A dor torácica também, algo parecia se romper dentro do seu peito. Sentia fome, o jejum se prolongava. Sentia fome, medo e frio. A musculatura de sua face, peito e membros tremiam levemente. A bexiga se avolumava. Receava a sonda vesical. Estava praticamente nu. O frio... Não teve coragem de solicitar que desligassem o aparelho de ar refrigerado. Os funcionários e médicos pareciam não se importar com a temperatura ambiente. Encontrava-se vulnerável, tal qual o dia em que conheceu e despediu-se de Márcia. Vulnerável como o rio de sua cidade em dias de seca com a falta de chuvas. Tal qual o Itapemirim com as pedras do seu leito à mostra. Sentia falta de um carinho, uma mão em seu rosto e todo seu corpo. Saudades das carícias que trocava com Márcia. No relógio, da parede em frente, pouco mais das 11 horas. Era o momento do encontro com Márcia. Fugiam em seu carro e se escondiam em um quarto, longe dos olhos de todos. Uma troca intensa de carícias. Um prazer imenso. Era o horário que tinham. Ela com os filhos na escola e ele no intervalo para o almoço. Escondiam-se de filhos, cônjuges e todos os outros. Um mundo de cumplicidades. Vários encontros de paixão avassaladora. Gradativamente a paixão foi sendo substituída pela culpa. Ela pedia uma escolha. Uma decisão para o caso. Ele se esquivava. Está bom assim, dizia. Ela pensava diferente. Precisava uma decisão. Ele escolheu a vida anterior, sem paixão amorosa. Sem sobressaltos. Escolheu a solidão. Apagado para o mundo. Esquecido em um leito de emergência de hospital.

 

Sergio Damião Santana Moraes

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Sergio Damião Médico e cronista

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